Quatro mulheres com histórias de vida diferentes, mas unidas por algo em comum: o amor pela música. Alagoanas que têm na arte musical a capacidade de transformar dor e sofrimento em alegria. Insegurança e medo, em leveza e confiança e, assim, chegar até onde o povo está. Nesse período de pandemia e distanciamento social, é na música que muitas pessoas têm se refugiado para atravessar de forma mais suave em meio a tantas incertezas.
Mas e os artistas, como estão fazendo para sobreviver e manter a profissão viva neste momento? O Eufemea entrevistou as cantoras May Honorato, Andréa Laís, Myrna Araújo e Elaine Kundera.
Aos 15 anos, May Honorato já cantava e compunha e hoje se divide entre o amor pela música e a medicina. No dia 1º de maio, após dois anos de trabalho, lançou o CD Clarão que ela jamais imaginaria que seria colocado ao público em meio a uma pandemia. Os planos eram bem diferentes, mas ela não recuou.
“A gente já tinha outras ideias, outros projetos, arranjos na cabeça, mas o que mais nos moveu foi a sensação de que a gente precisa dividir coisas bonitas, coisas que pudessem tocar e se comunicar com as pessoas nesse momento de tanta tristeza, não só para aqueles que perderam entes queridos, mas quem está constantemente sob tensão, que tem um impacto muito significativo sobre a saúde mental de todo mundo”, diz May.
“A gente fala sobre descansar a cabeça, de parar, de rir e chorar diante das situações, de não subvalorizar sua dor, o seu sentimento. E Clarão veio dialogar com esse momento. É quase como se o CD estivesse planejando ele mesmo o lançamento dele para que fosse o mais aproveitado, o mais sentido possível”, descreve.
Em situações adversas como a pandemia, May entende que a música e outras expressões artísticas acabam que transportando para um outro universo “dentro do mundo que um artista cria e isso é uma coisa que acaba cuidando da pessoa, preservando a saúde mental um pouquinho mais. Outra forma de ajudar é que a música, quando é expressa, sintoniza com o que está sentindo, você se sente menos só. É quase como se estivesse acompanhada, como se aquilo fosse um eco do que você está sentindo, como se fosse alguém segurando sua mão num momento de tensão, às vezes de alegria também. É terapêutica. Todo mundo deveria tentar cantar e compor. E todo mundo é capaz”, diz.
“A música é a minha forma de me expressar, o que eu penso, sinto, e de traduzir o que vivo. E acho que se relaciona um pouco com a nossa forma de lidar com a efemeridade das coisas. A música para mim é uma forma de fazer alguma coisa que toque e permaneça e aí é claro que é esse permanecer também é relativo porque vai sendo ressignificado por cada pessoa que ouve, vai se transformando, mas enfim, esse se transformar talvez seja a única forma de ficar. Eu diria que a gente produz arte para ficar de alguma forma”, descreve May Honorato.
Para o pós-pandemia, ela planeja fazer o show de lançamento Clarão.
Lives, ‘fenômeno inesperado’
Andréa Lais é socióloga e música desde sempre, como diz. Cantava na igreja e de lá se descobriu a amante da arte. Profissionalmente, canta desde 2009. “A música representa muito para mim. Acho que tem a ver com identidade, expressividade, com necessidade mesmo de sobrevivência. Acho que quando a música se apresenta assim, não é mais uma questão de escolha, mas de necessidade mesmo. Eu preciso da música para ficar bem e para me sentir plena e completa”, ela diz.
A relação com a sociologia, ela fala que se deu paralelamente. Hoje, cursa doutorado na Bahia, mas não abre mão da música. “Sociologia e a música me complementam e acho que elas se encontram, sim, porque tudo o que eu acredito do ser artista e de que o engajamento que o artista pede, a Sociologia também me ensina e me dá base para entender e construir de proposta do que eu quero no meu trabalho artístico”, afirma.
Nesse período de pandemia, ela diz que foi o momento para mostrar a força da música e das artes na vida das pessoas.
“A música é uma linguagem forte, que acessa muita gente, mas nesse momento falar da arte em geral, tudo o que a gente tem consumido de expressão artística, desde filme, clipe, audiovisual, livro, poema, acho que a importância para a sociedade ficou mais escancarada na pandemia. Acho que na correria do dia a dia, da rotina do trabalho, a gente não está tão atento quando isso se torna serviço essencial para se manter vivo, esperançoso, para aliviar a angústia. Então, é uma função realmente profunda que a música e a arte operam em todos os grupos humanos que se conhece”, relata.
Andréa Laís participou de várias lives, no comando ou enquanto convidada. Ela entende as lives como um fenômeno inesperado, mas que foi um meio de aproximação com as pessoas de um modo geral. “Os artistas não só precisam financeiramente ter esse contato, mas também como forma de escape existencial. Quem é artista precisa estar compartilhando da sua arte. Inicialmente foi uma necessidade de partilhar e depois começou rapidamente a se construir um mercado de profissionalização das lives, que também é importante porque os artistas estão sem poder rentabilizar essas apresentações e realmente precisam profissionalizar porque provavelmente será o último segmento a voltar ao ‘normal’”.
“Agora, mais do que nunca, acho que o que é mais importante numa live, no contato artista e as pessoas, é o quanto de autêntico e verdadeiro tem naquela live. Em relação a Alagoas acho que isso tem acontecido muito bem, tem muitos artistas incríveis, que eu espero que continuem e que se popularizem. Que as lives, a aproximação e a facilidade que o público está tendo de acessar os seus próprios artistas nesse momento ajudem para quando a gente voltar para um contato, isso se reverta num real público nos lugares, shows, teatros, incentivo ao trabalho e na presença, que é disso que a gente precisa”, pontua.
De cantora a dona de escola de música
Myrna Araújo é proprietária de uma escola de música. A pandemia chegou, a escola precisou ser fechada por causa do isolamento social, mas sem a interrupção das aulas, que continuam de forma on-line. A menina que pensou muitas vezes em desistir da música, como afirma, se manteve firme na condução da escola que construiu por acreditar no poder transformador da música.
Natural de Arapiraca, Myrna conta que quase por um acaso, ao ver a lista dos cursos da Ufal, decidiu fazer música, com bacharelado em canto lírico. Foi paixão de primeira. A carreira, ela diz que começou mais cedo, quando cantava na igreja que freqüentava e depois incentivada pela mãe a se apresentar em eventos aos 15 anos.
“A música significa vida. Muitas vezes, no início da minha trajetória musical eu pensei muito em desistir, a vida do artista em si é muito difícil, mas sempre existia um evento que acabava me puxando de volta para esse mundo e depois que eu virei professora de canto, não larguei mais, porque eu vi que sendo professora eu poderia ter uma renda financeira que poderia me sustentar, principalmente porque tenho duas crianças. Hoje em dia eu consigo viver bem de música, dando aula e cantando em vários eventos”, relata.
Casou com um músico com quem viveu oito anos e teve duas filhas e daí por diante não parou de realizar shows. Tempos depois, surgiu também a oportunidade de começar a dar aula de canto na Academia de Música, no Farol, e em escolas. Para montar o próprio negócio foi um passo. Incentivada por uma amiga, que é sócia e trabalha com ela até hoje, alugou uma sala. Nascia ali a escola de música localizada atualmente num espaço mais amplo, no Pinheiro.
“Com a chegada da pandemia tentei não me desesperar, porque a internet sempre foi uma fortaleza pra gente, eu e a Marina Reis, que é minha sócia, foi a primeira pessoa que deu a ideia e quem se disponibilizou a fazer a marca da escola, e ela continuou comigo. Faz todo o conteúdo digital da escola. A internet sempre foi nossa aliada na divulgação. A maioria dos alunos chegou por divulgação na internet, então a gente sabia que ia conseguir manter. Não 100% dos alunos, mas pelo menos 80% ainda permanecem com a gente fazendo aulas on-line. Tem alunos que não permaneceram fazendo aulas, mas continuaram mantendo as mensalidades até hoje. São pessoas que a gente cultivou, são parceiros que a gente deve gratidão infinita”, conta Myrna.
Ela diz que está conseguindo pagar todos os custos da escola, onde ela também mora. “Os meus gastos fixos a gente está conseguindo manter na medida do possível. Conseguindo pagar as contas e guardando o pouco dinheiro que sobra. A gente nunca sabe quantos alunos vão permanecer, quantos vão entrar”, diz.
Também faz lives toda semana para tentar manter o público da internet ativo, além de stories no Instagram, Facebook. “Mantém as pessoas mais próximas da gente. Tem pessoas que pedem para fazer um precinho mais baixo e a gente faz. A gente não deixa de ter o aluno porque ele só pode pagar um valor menor. Essa pessoa quer estar envolvida com música. A gente prefere ter essa pessoa com o valor que ela consegue pagar do que afastar. Também baixamos a mensalidade, demos um desconto inclusive para os que já são alunos, depois que tudo voltar ao normal, a gente volta ao valor que era antes. Se tem uma coisa que eu aprendi e que ainda estou aprendendo com a pandemia é a ser cada vez mais humana”, ela diz.
Dos bares, ao desemprego
“A música é a minha vida! Minha maneira de viver! A música me levou e quando percebi já era artista, sem escolher”, resume Elaine Kundera, que vive exclusivamente da música há 34 anos. “Sou musicista e cantora”, destaca.
Antes da pandemia, ela tocava em um barzinho em Maceió, em festas particulares, shows e eventos públicos, além de fazer temporadas e apresentações em outros Estados. “Estou sem trabalho, sem renda nenhuma, porque até o momento nem fui aprovada para receber o auxílio emergencial do governo federal”, ela revela, ao dizer que conseguiu aprovação para o edital da Secretaria de Estado Cultura de Alagoas (Secult) de incentivo para artistas durante a pandemia.
É nas lives que Elaine Kundera tem encontrado espaço. “Fiz duas lives programadas pelo YouTube e fiz duas lives surpresas no Facebook e instagram. Acredito na força da arte, no poder de cura da música. Então, as lives são uma forma de tentar amenizar um pouco toda essa tensão, levando minha música para aqueles que curtem meu trabalho e também me faz muito bem. Quando canto me sinto viva”, ela diz.
“Quando fiz a primeira live pelo youtube, pedi doações aos que assistiam (#chapeusolidario) e toda a renda arrecadada eu repassei para músicos que estavam numa situação pior que a minha. Naquele momento ainda não havia sido liberado o auxílio emergencial. E depois vi isso sendo feito por outros artistas”, conta.
“Ainda não sabemos como irá se comportar o mundo. Seremos os últimos trabalhadores a voltar à ativa. Então, por enquanto, não estou fazendo planos. Estou apenas alimentando sonhos”.