O desafio veio com a chegada da pandemia do novo coronavírus e a suspensão das aulas presenciais. O que fazer para não deixar nenhum estudante com deficiência sem conteúdo didático? A maioria, com acesso limitado à internet. A professora Noadias Castro Braz, da comunidade Betânia do Cruxati, no município de Itapipoca (CE), teve uma ideia e decidiu arregaçar as mangas. Elaborou um projeto, apresentou na escola e hoje, pelo menos duas vezes por semana, vai na casa dos alunos para ensiná-los as atividades de grafomotricidade, relacionadas às habilidades gráficas e de escrita, e dinâmicas lúdicas, além daquelas relacionadas à psicomotricidade e afetivo-social.
Da porta das casas, para que não haja risco de contágio aos estudantes, ela transmite os conteúdos. Para entregar o material, é necessário ir de carro, mas para atender a um dos alunos que mora mais distante, ela vai de bicicleta toda semana que mora distante, um esforço que a professora traduz num: “Viva a inclusão!”.
“Sou professora do Atendimento Educacional Especializado-AEE na Escola de Educação Básica Alonso Pinto de Castro, uma escola pública municipal. Os alunos que atendo frequentam as salas regulares de ensino do quarto ao nono ano e no contraturno são atendidos no AEE”, conta Noadias Castro.
Ela contou ao Eufemea que “no início da pandemia, com o fechamento das escolas, houve uma preocupação com o acompanhamento aos meus alunos com deficiência visto que além das dificuldades de comunicação via internet de alguns alunos também existia a preocupação nos cuidados de saúde uma vez que os mesmos pertencem ao grupo de risco”.
Foi então que decidiu elaborar um projeto. “Escrevi um projeto, fui em busca de parceiros na área educacional”, ela informa. Os parceiros, conta ainda a professora, são o núcleo gestor da escola que analisa as ações e avalia o projeto; a área da comunicação, “radialista que através de recados no seu programa estimula a execução das atividades com as famílias; duas agentes de saúde comunitária que dão assistência de estimulação nas atividades e registro da produção das mesmas”.
Da área da saúde, a professora teve a ajuda de um microbiologista, “que me orienta para higienização e esterilização de todo o material pedagógico produzido e enviado às famílias, assim como ao uso de EPI [Equipamento de Proteção Individual] e protocolos da OMS [Organização Mundial da Saúde] para as minhas abordagens domiciliares. Uma enfermeira que orienta as famílias pelo WhatsApp acerca dos cuidados com a Covid-19 e uma psicóloga que atende via zap possíveis casos de distúrbios de ordem emocional . E assim nasceu o projeto ‘AEE na Quarentena”, ela diz.
O material didático, de acordo com Noadias Castro, “é todo elaborado individualmente para atender as especificidades de cada aluno. Com atividades que desenvolvam a coordenação, psicomotricidade, raciocínio lógico, afetivo emocional e etc. As atividades são entregues por mim esterilizadas e higienizadas, embaladas e etiquetadas nas residências dos meus alunos”.
A educadora informa que atende 13 alunos com várias deficiências: síndrome de down, com paralisia cerebral com perda de fala e com movimentos motores a melhorar, com TDAH e deficiência intelectual; multideformação congênita com preservação cognitiva e com deficiência intelectual
“Tenho alunos que atendo on-line, onde eles já estando com as apostilas fazemos juntos a atividade daquele dia, tenho alunos que não têm internet e têm apenas o telefone com antena rural e são acompanhados pelas agentes de saúde da área, que fazem o incentivo à execução da atividade, registram com fotos e enviam para mim”.
Segundo ela, três dos estudantes atendidos “não têm ou a comunicação via internet ou com grandes dificuldades de convívio familiar que eu faço o atendimento na frente de suas casas tomando todos os cuidados da OMS e sem nenhum contato ou aproximação física. Na verdade, não é na calçada, é na rua mesmo, na frente das suas casas”.
Os atendimento em geral, ressalta a professora, “são de segunda a sexta e os que acontecem na frente de suas residências são: segunda feira, onde vou de bicicleta para uma localidade chamada Pedrinhas, a 5Km aproximadamente onde mora meu aluno, e quarta-feira, onde atendo dois alunos aqui em Betânia mesmo”.
O esforço, a dedicação e o amor ao trabalho que realiza são recompensados com os resultados.
“O resultado está sendo surpreendente. Como os conteúdos são elaborados para cada aluno individualmente e levando em conta o nível de aprendizagem e habilidades a serem trabalhadas, as famílias têm se empenhado e executam junto com os estudantes as atividades. Tenho uma mãe de uma aluna que pediu que eu elaborasse uma apostila para ela pois queria estudar junto com a filha, e hoje elas estudam juntas”.
A chegada da pandemia, que se espalhou pelo mundo, obrigando a mudanças em todos os aspectos da vida, foi um abalo para a profissional da educação, mas o ensinamento que ela considera ter seu lado positivo.
“Nunca tinha passado pela cabeça ter que viver tal situação, mas tenho aprendido mais do que ter ensinado. Os meus alunos a cada dia me ensinam que na vida devemos respeitar as diferenças, olhar de forma mais positiva para as dificuldades da vida e tentar superá-las”.
Quanto à retoma das aulas presenciais, a professora informa que no Ceará ainda continuam suspensas, “com possibilidades de retorno no mês de setembro, não definitivo ainda, com alguns cumprimentos de pareceres e protocolos sendo elaborados e discutidos. Tudo indica que um ensino híbrido será implantado, porém os alunos com deficiência e comorbidades serão mantidos na metodologia atual. Portanto, a perspectiva do AEE na Quarentena perdurar por todo o ano letivo é grande”, informa Noadias Castro.