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Minha Experiência: “Eu me reencontrei após a minha transição capilar”

Eu tinha por volta dos 9 anos quando meu cabelo recebeu química pela primeira vez: um alisamento que fedia muito. É importante dizer que eu sempre tive muito volume e isso fez com que a cabeleireira usasse cerca de 10 caixinhas de produtos para alisar.

Meu cabelo ficava liso, mas quebrava, fedia e deixava meu rosto totalmente lambido, uma coisa que tirava meu brilho. Não culpo a minha mãe que me levou para vários salões, ela sentia na pele a dor que eu sentia quando a raiz começava a aparecer. Eu chorava, tinha febre, pedia para faltar a escola. Notava os olhares das pessoas para o meu cabelo como se ele fosse a coisa mais terrível do mundo.

Foto: arquivo pessoal

Quando a raiz crescia era a pior fase para mim. Eu escutava coisas terríveis dos meus amigos, colegas, na escola, na rua. “Seu cabelo é ruim”; “Seu cabelo só serve para lavar panela”; “Cabelo de bombril”; “Esse cabelo entra pente?”.

Além dessas frases ‘comuns’, eu também era rejeitada por várias cabeleireiras que diziam: “não tem como cuidar desse cabelo cheio, vou perder o dia inteiro com essa menina aqui”. Elas diziam isso na minha cara, uma criança de nove anos.

É óbvio que fui escrava da química: fiz alisamento, selagem, progressiva. O que vocês imaginarem. Eu achava que era bonita apenas com meu cabelo alisado, liso, escorrido. Se a raiz crescesse já era motivo de evitar olhar no espelho.

Fui assim durante anos… até conhecer a Tamires Melo (Assessoria dos Cachos) num evento em 2021. Especialista em cabelos crespos e cacheados, Tamires percebeu que eu usava química e perguntou: e aí, vamos passar por essa transição? Eu, insegura, disse que não estava pronta. Relatei tudo que tinha escutado na infância e ela, além de escutar atentamente, entendeu a minha dor me acolhendo.

A decisão de passar pela transição capilar veio após a selagem não durar mais de um mês. Já em 2023. Isso estava me estressando, me deixando mal de ter que gastar tanto dinheiro para meu cabelo simplesmente não ficar liso.

Procurei a Tamires, aquela lá de 2021, e disse: “acho que estou pronta para fazer isso”. Iniciamos pela texturização, um procedimento maravilhoso para quem quer começar a transição. Quando me vi cacheada, a emoção tomou conta de mim. Ao publicar a primeira foto, recebi vários elogios, comentários, apoios.

Foto: Arquivo Pessoal

Me enxergar como essa Raíssa cacheada me fez perceber que sim, eu nasci para o cabelo cacheado. Fiz algumas sessões de texturização, sempre com a Assessoria dos Cachos, mas a minha rotina pesada e intensa não me permitia estar toda semana lá.

Meu cabelo estava com química e a raiz cacheada. Estava ficando insustentável ficar com o cabelo dessa forma. Estava prendendo ele o tempo inteiro e me sentindo sem identidade.

Ontem, tomei a minha grande decisão: tirar toda química do cabelo. Ao me olhar no espelho, não houve nada estranho. Pelo contrário: eu tinha florescido.

Publiquei algo no meu Twitter ontem: “Nada melhor do que ser quem se é. Eu passei muitos anos ouvindo que meu cabelo era feio, que não entrava um pente, que mulher de cabelo curto ficava muito masculina. Eu acreditei em tudo que me falavam sem saber que isso me afastava de mim”.

Foto: Arquivo Pessoal

E era isso: eu me afastava de mim. Me prendia a padrões que tiraram o meu brilho, a minha beleza e o meu eu. Eu acolho o meu cabelo e acolho a minha mudança de vida.

Não vou dizer que é uma decisão fácil, tampouco é algo que acontece do dia pra noite. Eu levei 30 anos para entender. Mas o que me deu essa virada de chave? o autoconhecimento. Perceber que essa sou eu e que me aceitar é a melhor coisa que fiz/faço na minha vida.

Hoje, com o cabelo curtinho, sem química, cacheado, me deu a sensação de que eu me reencontrei e acolhi aquela criança ferida.

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Raíssa França

Cofundadora do Eufêmea, Jornalista formada pela UNIT Alagoas e pós-graduanda em Direitos Humanos, Gênero e Sexualidade. Em 2023, venceu o Troféu Mulher Imprensa na categoria Nordeste e o prêmio Sebrae Mulher de Negócios em Alagoas.