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De tentante a gestante: reprodução assistida

Foto: Reprodução/Google

Tem nada mais complexo do que o processo de gestar (de formas diversas) um filho? Hoje, em especial, convido você a refletir comigo sobre a gestação que envolve o corpo – mas não somente ele, claro. Não há espaço mais ocupado que a psique de uma mulher que deseja trazer ao mundo uma outra pessoa.

Quando gerar um filho envolve o elemento decisão, inicia-se uma fase de tentativas, que implica pensar, dentre outras coisas, o corpo da mulher, e a ideia que se tem, ali, na nossa cultura, que o ser mãe é uma condição natural, própria, e quase garantida, das mulheres.

Mas, será mesmo que é assim?

Na clínica, observamos, no discurso de mulheres que se deparam com dificuldades de engravidar, seja do primeiro, ou de outros filhos mais, os efeitos dessa sensação de que estão faltando com sua missão, infringindo a suposta lei soberana do feminino.

Aqui, não vamos nos ater aos porquês de parecer haver uma “onda” de pessoas que experimentam esse atravessamento, mas trazer à tona um tema que nem sempre se apresenta para quem está fora desse universo – os afetos, os impactos emocionais, que permeiam e atingem as mulheres que não conseguem engravidar de modo natural.

As palavras têm poderes enormes, e você já deve, em alguma medida, ter sentido isso. Quando uma mulher, diante de uma dificuldade fisiológica de gerar um filho, se pega analisando esse processo (de engravidar), que deveria ser natural – e que para ela não está sendo exatamente assim – começa a questionar o seu próprio corpo, a potencialidade dele, logo, a questionar a si mesma, e as suas (não)potencialidades.

Inicia-se um processo de luto. Um luto silencioso, solitário, não compreendido, não reconhecido. Um luto que, a todo tempo, sofrerá interferência das opiniões da massa – educada por aquela cultura de que mulher nasceu para ser mãe, logo, para gerar um filho naturalmente. Então, surgem recomendações do tipo: “É só relaxar que você vai engravidar”, “Tire umas férias”, “Trabalhe menos”, “Faça a tabela direitinho… tá cheio de aplicativos por aí que ajudam nisso”. Enfim… Um movimento de idas e vindas entre soluções mágicas, que supostamente fazem depender da mulher, de algo que ela faça ou deixe de fazer, que a mágica aconteça.

E não. Quando o assunto é engravidar, nenhuma mágica está envolvida.

Quando uma questão fisiológica se faz presente, impedindo o alcance desse desejo, parece existir uma sensação de menos valia daquele corpo, daquela mulher, muitas vezes, na perspectiva dela mesma.

Quantas se sentem menos mulher, quantas levam os efeitos disso para sintomas como ansiedade, depressão, e tantos outros?

Até aí, falamos apenas de uma etapa do que pode ser um longo caminho de sofrimento para a mulher-tentante.

Quando a possibilidade da reprodução assistida se apresenta, um novo degrau surge – bombas de hormônios, consultas médicas, exames, perguntas sobre seu corpo e sua intimidade (por vezes, para algumas, difíceis de responder), expectativa, medo, ansiedade…

Até que finalmente o resultado positivo (grávida!) chegue – quando chega –, muitas mulheres relatam ser atravessadas por uma dor que, por vezes, ultrapassa a possibilidade de cura a ser aliviada com medicamentos.

A mulher que passa por esses tantos processos para finalmente engravidar, e aquela que, mesmo tendo tentado de diversas formas, recebe a notícia da impossibilidade de gerar, em seu corpo, um filho, carece de cuidados múltiplos. Cuidados que envolvem o acolhimento de quem a cerca – o que implica menos perguntas, menos “dicas”, menos julgamentos; e o autoacolhimento – coisa que é, com certeza, bem difícil de praticar, porque a gente foi educada para prestar um bom serviço às pessoas outras, e não a nós mesmas.

A notícia é: dá para alcançar esse lugar. A psicoterapia e a análise são espaços que tendem a promover o autoacuidado, o autoabraço, e a compreensão de que mulher é, antes, pessoa, e pessoa precisa e merece de acolhimento e respeito.

Gerando, gestando, vendo crescer o fruto do desejo de ter um filho – com o corpo ou não necessariamente por meio dele – você, mulher, faz jus a um tempo para você, com você, e para um bom cuidado com o aquilo lhe atravessa.

Cuide-se, e bem!

Lavínia Lins (@minutodapsico )

Questões éticas e jurídicas que precisam ser observadas

Quando falamos em reprodução humana medicamente assistida, outro fator relevante ao qual precisamos estar atentos diz respeito às questões éticas e jurídicas dela decorrentes.

Estar bem informado quanto a esses aspectos é também um dos degraus a superar.

No Brasil, desde 2002 o Código Civil passou a tratar da reprodução assistida, quando prevê as hipóteses de presunções de paternidade no art. 1.597. Contudo, nossa legislação não entrou em detalhes acerca da utilização destas técnicas, de modo que seus aspectos éticos e bioéticos são regulamentados por resolução do Conselho Federal de Medicina.

A resolução mais recente, n.º 2.320 de 2022, parte do pressuposto da infertilidade humana como um problema de saúde, com implicações médicas e psicológicas, e da legitimidade do anseio de superá-la; bem como da postergação da gestação, evidenciada pelas estatísticas atuais; do reconhecimento das relações homoafetivas como entidades familiares; como também considera o objetivo de possibilitar um planejamento reprodutivo antes de uma intervenção com risco de levar à infertilidade, no caso de pessoas com câncer.

Portanto, o avanço do conhecimento científico permite que a Medicina auxilie nos processos de reprodução humana, observado o equilíbrio do uso das técnicas com os princípios éticos.

Seguem abaixo alguns pontos relevantes da Resolução do CFM:

·         As técnicas de reprodução assistida podem ser utilizadas quando houver possibilidade de sucesso e baixa probabilidade de risco grave à saúde do(a) paciente ou do possível filho;

·         A idade máxima das candidatas à gestação por meio das técnicas é de 50 anos (são aceitas exceções a esse limite, com base em critérios técnicos e científicos, fundamentados pelo médico responsável);

·         As técnicas de reprodução não podem ser utilizadas com o objetivo de selecionar o sexo ou qualquer outra característica biológica da criança (exceto para evitar doenças);

Além da possibilidade de utilização do material genético dos próprios receptores (neste caso, a inseminação é chamada de homóloga), é possível, ainda, receber material de doadores (caso em que a inseminação é designada de heteróloga).

Deste modo, pares homoafetivos ou pessoas que desejem uma produção independente, por exemplo, podem recorrer aos bancos de óvulos, sêmens e embriões das clínicas de reprodução assistida.

Quanto a este ponto, necessárias algumas observações previstas na Resolução n.º 2.320:

·         A doação de gametas ou embriões não pode ter caráter lucrativo ou comercial;

·         Os doadores não podem conhecer a identidade dos receptores e vice-versa (deve ser mantido o sigilo sobre a identidade dos doadores e receptores);

·         É possível doar a partir dos 18 anos, sendo a idade limite de 37 para mulheres e 45 anos para homens.

Importante destacar que o(a) doador(a) não terá qualquer vínculo jurídico de maternidade/paternidade com a criança gerada; não advindo, deste modo, quaisquer direitos e/ou obrigações.

Por fim, outro aspecto que não podemos deixar de salientar, diz respeito ao congelamento (tecnicamente, criopreservação) de embriões.

Quando os pacientes se valem das técnicas de fertilização in vitro, é possível que nem todos os embriões gerados sejam transferidos a fresco para o útero materno, de modo que os excedentes viáveis serão criopreservados.

Neste caso, os receptores precisarão tomar importantes decisões, e precisam estar, portanto, bem informados juridicamente (e psicologicamente preparados também) para tanto.

Tais decisões dizem respeito ao destino dos embriões congelados em caso de divórcio, fim da união estável ou falecimento de um deles ou de ambos. A manifestação de vontade deve se dar por escrito, antes mesmo de que os embriões sejam gerados.

Ana Carolina Trindade (@anacarolinatrindade .cohen)

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Ana Carolina Trindade e Lavínia Lins

Ana Carolina Trindade é advogada, especialista em Direito e Família e Sucessões. Graduada e Mestre em Direito pela UFAL. Também é professora e Doutoranda. Lavínia Lins é psicóloga clínica, psicoterapeuta com base de trabalho na Psicanálise, escritora e palestrante.