Colabore com o Eufemea
Advertisement

Parto normal em ascensão: mulheres desafiam estatísticas das cesáreas e valorizam experiência natural e humanizada

Foto principal: Tamires Melo. Crédito das fotos: Amanda Bambu

Dados do Ministério da Saúde revelam um alto número de cesáreas no país: em 2022, 57,7% de todos os partos foram realizados por meio de cirurgia, índice que é quase quatro vezes maior do que o recomendado pela Organização Mundial de Saúde (15,5%), que preconiza que apenas as mulheres que realmente necessitam da intervenção sejam submetidas à cesárea.

Com um patamar tão elevado, o Brasil ocupa a segunda posição nesse tipo de procedimento — são mais de 1 milhão de cesáreas por ano —, ficando atrás apenas da República Dominicana, que aparece com 58%.

O que diz a OMS?

O alto índice de cesáreas no mundo fez com que a OMS estabelecesse, no início de 2018, novas recomendações para o parto. Elas incluem 56 diretrizes que enfatizam o parto natural e humanizado, respeitando as escolhas das gestantes e promovendo o diálogo entre o paciente e o médico obstetra.

Entre as diretrizes da OMS, sugere-se que as gestantes possam se alimentar e caminhar durante o trabalho de parto, não ficando restritas à cama. Também é recomendada a presença de acompanhantes, dando prioridade à posição vertical, que facilita o início do parto, e estimulando o contato pele a pele após o nascimento do bebê.

Partos normais

Na contramão das estatísticas, dentro do Sistema Único de Saúde observa-se um discreto aumento na quantidade de partos naturais, de 43% para 44,5% no período de 2013 a 2016, enquanto as cesarianas passaram de 57% para 55%.

O Eufêmea conversou com mães que fizeram a opção pelo parto natural. Elas relataram desde os desafios enfrentados até a sensação de empoderamento e conexão profunda com seu próprio corpo, destacando a importância de uma abordagem respeitosa e humanizada no processo de dar à luz.

Momento único e especial

O nascimento de um filho é um momento único e especial na vida de uma mulher, e o parto é uma experiência que merece ser vivenciada de forma respeitosa e humanizada. Essa é a opinião da psicóloga perinatal e mãe de dois filhos, Bruna Tibúrcio, que teve a oportunidade de passar por dois partos humanizados.

Ela relata que desde sua primeira gestação já tinha decidido que queria um parto humanizado, mesmo sem nunca ter vivenciado ou assistido a um. Ela reconhece a importância desse momento tanto para a mulher que irá dar à luz quanto para o bebê que está prestes a nascer. “Só se nasce uma vez!”, enfatiza.

“Os benefícios para o bebê foram imediatos, além disso a curto e longo prazo também. Bebês que nascem de parto humanizado têm maiores índices de saúde física, emocional, sucesso e segurança”, destaca.

“Confiança e segurança emocional”
Foto: Cortesia ao Eufêmea

Para se preparar fisicamente, Bruna buscou acompanhamento pré-natal obstétrico, praticou exercícios físicos, trabalhou a conscientização corporal, meditou, adotou uma alimentação saudável e recebeu orientações profissionais de psicólogas, doulas, parteiras e terapeutas holísticas. Ela relata que também visitou o hospital antes do trabalho de parto para se familiarizar com o local.

Apesar de ter utilizado os serviços do SUS (Sistema Único de Saúde) no hospital, Bruna destaca a dificuldade de acesso a profissionais especializados na área que atuem de forma respeitosa. “Há poucos profissionais no mercado nessa área. Além disso, o acesso à saúde particular é considerado um serviço caro. O melhor enxoval que uma mãe pode fazer é a informação”, diz.

Na primeira gestação, Bruna não teve acompanhamento de pré-natal psicológico, doula, yoga para gestantes ou pilates. No entanto, teve a sorte de receber atendimento psicológico dentro da maternidade, o que foi um divisor de águas para seu período perinatal. Ela conta que a psicóloga que a atendeu durante o parto a acalmou, orientou e tirou suas dúvidas, fornecendo “confiança e segurança emocional para amamentar pela primeira vez”.

“Sucesso é quando a mulher é bem informada”

Ela avalia que um parto humanizado bem sucedido é aquele no qual a mulher tem liberdade de parir como ela quer. “Sucesso é quando a mulher é bem informada, está orientada por profissionais capacitados que passam segurança e confiança. Mulheres que tomam decisões conscientemente, baseado no que faz sentido para ela. Mulheres que se conectam consigo mesmas e com o bebê”.

“Mulheres que se sentem confortáveis para se expressar, usar a posição que sentir vontade, conseguir falar o que deseja e o que a incomoda. É bem sucedido todo parto que a mulher se recordará positivamente dele, sem arrependimentos”, continua.

Para o momento do parto, a psicóloga decidiu se preparar para o parto humanizado da melhor maneira possível. Ela começou colocando uma playlist de músicas que amava logo no início do trabalho de parto, quando as contrações ainda eram leves. Além disso, utilizou técnicas de respiração e conscientização corporal, adotando posições que a ajudaram durante o processo, como o uso da bola de exercícios.

“Tive uma boa recuperação pós parto fisicamente, porém passei pelo baby blues e os pontos da episiotomia me incomodaram. Meu corpo voltou rapidamente, me sentia muito cansada com a rotina do puerpério, sofri muito com a privação de sono e sentia dificuldade de me alimentar como antes”, expõe.

Foto: Cortesia ao Eufêmea

“Independente da via de parto, seja vaginal ou cesariana, o parto ele deve ser humanizado”, acrescenta.

Protagonismo da mulher
Foto: Amanda Bambu

“Como pode um dos momentos mais incríveis da vida de uma mulher se tornar seu maior trauma devido à violência que sofreu durante o ato de parir? Será que a mulher foi feita para sofrer, pois nem em um momento tão delicado como esses ela pode ter respeito? Por que os hospitais são tão frios e tratam a mulher apenas como mais um número no cadastro?”. Essas foram as questões que impediam que a empresária, Tamires Melo, abraçasse a maternidade de início.

Ela relata que testemunhou diversas situações de violência obstétrica envolvendo seus familiares e amigas. Ela se questionava como um momento tão especial poderia se transformar em um trauma devido à falta de respeito e cuidado com a mulher durante o parto. Essas experiências enfraqueciam o desejo da maternidade, até que ela conheceu a parteira Juliana Oliveira, pioneira do parto humanizado domiciliar em Maceió.

“Ela me contou com os olhos brilhando como prosseguia com o seu trabalho de enfermeira obstetra e parteira urbana. Após ouvi-la eu concluí que todo o processo do nascimento de um bebê é de total protagonismo da mulher e que uma equipe de enfermeiras obstétricas e o médico estão ali desde o pré-natal para dá apoio e o suporte técnico necessário, pois na verdade, a autora do nascimento é a mulher”, esclarece a empresária.

“A humanidade começa com uma mulher parindo. Não há nada mais natural do que parir. Vi no ser mãe uma questão totalmente alinhada com o meu propósito de filosofia de vida natural, dos cabelos ao nascimento dos meus futuros filhos”, continua.

Durante o parto humanizado, Tamires encontrou diversos benefícios. A ausência de intervenções foi um dos aspectos mais importantes para ela. Ela não aceitou anestesia em nenhum dos dois partos domiciliares, pois acreditava que uma intervenção poderia levar a outras e impedir que ela tivesse o parto em casa conforme desejava.

Além disso, a atenção da equipe, o silêncio, a possibilidade de se alimentar e a ausência de protocolos hospitalares foram aspectos que contribuíram para a sua tranquilidade e bem-estar.

De acordo com ela, a experiência com a equipe de profissionais de saúde durante o parto humanizado foi extremamente positiva. A presença de uma equipe humanizada, composta por enfermeiras obstétricas e médicos respeitosos, trouxe uma sensação de amparo e segurança para Tamires. Ela descreve a equipe como “verdadeiros anjos que acompanharam todo o processo de parto”.

Pressão e julgamento

O primeiro passo de Tamires foi buscar um pré-natal com um médico que compartilhasse da sua visão de parto humanizado. Infelizmente, a primeira experiência não foi positiva. O médico desencorajou Tamires a optar pelo parto normal, alegando que ela era muito jovem para passar por isso. No entanto, Tamires procurou por outro profissional.

“Cerrei os olhos em cima dele, fiquei enfurecida, e disse: minha avó pariu com 13 anos e eu tenho 23, como pode afirmar que esse fato me deleta a possibilidade de parir normal? Enfim, saí da consulta certa de que aquele definitivamente não era um médico pró nascimento natural”.

Foi então que ela conheceu outro médico obstetra que a acolheu com empatia e entusiasmo. “Procurei outro médico e já no início da consulta fui logo avisando: vai nascer em casa. Qual a sua opinião? Prontamente, o doutor Sebastião, devolveu sorridente: eu nasci em uma caixinha de sapato. Meu esposo, ele e eu rimos e eu soube ali que aquele seria o meu médico obstetra, depois ele continuou a contar como sua mãe o teve em casa”, contou.

Durante o parto humanizado, Tamires enfrentou o desafio de lidar com a incerteza do tempo. Ela compreendeu que o momento do nascimento não poderia ser controlado e que era necessário confiar no processo e deixar as coisas fluírem. Em seu primeiro parto, ela vivenciou 24 horas de Trabalho de Parto (TP), enquanto no segundo parto esse período foi reduzido para duas horas. Tamires destaca a importância de aproveitar o momento em casa, em um ambiente diferente e energético, e superar suas próprias dificuldades para alcançar o prêmio de segurar seu bebê nos braços.

Ao optar pelo parto humanizado, Tamires enfrentou pressão e julgamento da sociedade. Ela percebeu que muitas pessoas não desejavam nem mesmo discutir o assunto, preferindo ignorar ou menosprezar a opção pelo parto natural.

“Eu conheço mulheres que sentem a coluna doer até hoje devido uma anestesia mal aplicada, sem contar com aquelas que tiveram tantas complicações que não querem ter outro filho. Mas não as julgo, entendo que já é tanto sofrimento a vida inteira que muitas acabam olhando para o parto apenas focando na dor”, pondera.

“Confie em sua intuição”

Segundo Tamires, o conhecimento é fundamental para compreender o processo do parto e tomar decisões informadas. É importante buscar informações sobre o próprio corpo, as fases do trabalho de parto, as intervenções médicas e as opções disponíveis. O autoconhecimento também desempenha um papel crucial, permitindo que a mulher confie em sua intuição e tome decisões alinhadas com suas necessidades e desejos.

Ela ressalta que, durante a gestação, é comum receber relatos negativos ou assustadores de outras pessoas, mas é fundamental não se deixar influenciar por essas experiências. “Permitir-se o protagonismo é a experiência mais incrível da vida”.

Quanto à recuperação pós-parto, Tamires relata que não enfrentou grandes desafios. Em apenas três dias, sentiu-se com energia suficiente para realizar tarefas domésticas, mas optou por direcionar sua energia para cuidar do bebê. O único desafio mencionado foi a amamentação, que levou cerca de 20 dias para se estabelecer.

Por fim, ela sugere para as mães investir em cuidados psicológicos, como terapia e participação em rodas de conversa sobre o tema. A busca por conhecimento, tanto sobre o processo do parto quanto sobre os direitos da mulher, é incentivada. Tamires reforça a importância de confiar em si mesma, encontrar sua força interior e reconhecer que o parto é um momento que revela o quão poderosas as mulheres são. “Mergulhe e sinta-se flutuar”, finaliza.

Autonomia e liberdade
Foto: Cortesia

Rita Colatino, social media e mãe, decidiu trilhar o caminho do parto humanizado em busca de uma experiência mais natural e conectada com seu filho. Ela relata os motivos que a levaram a optar por essa modalidade e os benefícios que encontrou para si e para seu bebê.

“Conhecendo e estudando o universo do parto, pude sentir autonomia e liberdade para ficar na posição que queria, vocalizar, gritar, chorar, rir, trocar de posições, etc”

Participando de rodas de gestantes, ela adquiriu conhecimento sobre o parto e seus benefícios, o que a convenceu de que essa era a melhor opção para ela, seu filho e sua família.

Ao se preparar para o parto humanizado, Rita buscou recursos que a ajudassem a criar um ambiente propício para a experiência desejada. Embora não tenha tido condições financeiras para um parto domiciliar, ela utilizou a rede pública do SUS, escolhendo a Maternidade Nossa Senhora da Guia, conhecida por suas práticas humanizadas.

“Nós contratamos uma doula e durante o parto ela foi fundamental para meu processo. Tive o apoio dela e a companhia do meu esposo. Foi muito prazeroso ter esse suporte que me deu força e apoio necessário. O meu bebê pôde vir direto pros meus braços, amamentar na primeira hora de vida e ter meu contato físico, o tempo todo. Foi maravilhoso!”, comemora.

Além disso, ela conta que produziu um plano de parto, onde expressou seus desejos e preferências. “Ter um ambiente adequado, baixa iluminação, música, respeito e autorização para todos os procedimentos, informando o que não aceitava e o que gostaria de ter como experiência, para mim e para o meu filho”.

No dia do parto, a cópia da lei de doulas que havia sido recém aprovada foi essencial para Rita ter o acompanhamento da profissional e do seu esposo. “Tivemos uma equipe plantonista muito maravilhosa, que leu e respeitou nossos desejos do plano de parto e que nos deu muita liberdade e autonomia, foi incrível. Era tudo que eu mais pedia!”, relembra.

“Se empodere”

Questionada sobre as estratégias que utilizou para lidar com a dor durante o parto humanizado, Rita destaca a importância de movimentar-se e experimentar diferentes posições. Além disso, ela revela que a aromaterapia foi uma grande aliada em sua jornada. Sua doula, também especialista em aromaterapia, utilizou óleo essencial de menta, proporcionando alívio durante o trabalho de parto.

Para aquelas que consideram um parto domiciliar, Rita enfatiza a importância de uma equipe especializada e de confiança. Ela destaca a possibilidade de vivenciar o processo de parto em seu próprio lar. No entanto, caso a opção seja pela maternidade, Rita aconselha que a mulher inicie o trabalho de parto em casa o máximo possível, considerando seu nível de dor e ansiedade.

“Estude, deseje, imagine, escreva, planeje, tenha uma doula, ouça e assista conteúdos de partos que inspirem e não os que causem medo ou reforcem a dor, respeitem o tempo do seu bebê, se empodere e empodere seu parceiro”, conclui.

Picture of Rebecca Moura

Rebecca Moura

Estudante de Jornalismo pela Universidade Federal de Alagoas e colaboradora no portal Eufêmea, conquistou o primeiro lugar no Prêmio Sinturb de Jornalismo em 2021. Em 2024, obteve duas premiações importantes: primeiro lugar na categoria estudante no 2º Prêmio MPAL de Jornalismo e segundo lugar no III Prêmio de Jornalismo Científico José Marques Melo.