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Assédio, coação e ameaças: advogadas alagoanas revelam rotina de violência no exercício da profissão

Crédito: Unsplash

“Fui proibida de entrar no meu próprio escritório”, relembra Gabriely Gouveia. A advogada conta que passou por cerca de dois meses e meio de terror psicológico com ameaças, assédio moral e coação por parte do seu antigo sócio.

De acordo com ela, a situação de violência começou após a eleição do Quinto Constitucional do ano passado, quando o advogado entregou para os funcionários uma lista de quem queria que fosse votado e algumas pessoas não cumpriram.

“Ele convocou uma reunião para perguntar de um por um em quem tínhamos votado e quando eu disse que foi em alguém diferente, ele se alterou dizendo que eu estava agindo contra ele, que não queria o bem do escritório”, afirma.

“Expôs minha vida pessoal”
Foto: Cortesia ao Eufêmea

Desde então, essa foi apenas uma das situações de coação. Segundo Gabriely, até sua simplicidade e sua vida pessoal eram motivo de ataque por parte do sócio. “Chegou o momento de ele querer proibir que eu recebesse visitas pessoais no escritório. No dia do advogado, minhas primas foram me levar um presente e ele bateu na mesa dizendo que isso não podia acontecer, sendo que ele recebia os amigos com frequência”.

“Ele se incomodava com o fato de eu sair com minha família e postar. Cheguei ao ponto de postar só para os melhores amigos para ele não ver, pois ele dizia que eu estava manchando a imagem do escritório e a dele. E ainda dizia diante de todos “essa daí só quer estar em bar agora, acha pouco e ainda leva a filha, disposição para ir para bar você tem, mas para trabalhar”, entre outras coisas”, conta.

”Me deu uma data para sair”

A sociedade contava inicialmente com os dois, de acordo com Gabriely, o colega precisava dela para conseguir gerir e para fazer os trabalhos técnicos do dia a dia.

Mas o escritório rapidamente cresceu e passou a contar com uma equipe de advogadas, secretárias, estagiárias e ela acredita que passou a ser vista como desnecessária, alguém com quem teria que dividir os ganhos. “Chegou um determinado momento em que ele disse que não queria mais a sociedade e eu disse que tudo bem, que sentássemos para resolver as questões financeiras, que ele me fizesse uma proposta para comprar minha parte”, ressalta.

Ela conta que isso nunca aconteceu e que foi a partir daí que ele deu um ultimato deixando-a sem saída a não ser desistir do sonho que estava construindo.

“Ele me disse que eu tinha até tal dia para sair do escritório e eu disse que não ia sair do que era meu. Então, ele ameaçou que se eu fosse para o escritório no dia seguinte, eu assumiria toda a responsabilidade financeira sozinha, estrutura e equipes, sendo que ele tinha o controle financeiro de tudo e eu perguntei se ele me entregaria, ele respondeu que isso era um problema meu”.

”Está lucrando o que era meu”

Gabriely conta que o ex-sócio está recebendo os ganhos financeiros que são também fruto do trabalho dela, mas que ela não recebeu nada desde a sua saída.

“Ele ainda me colocou na justiça exigindo tão somente a retirada do meu nome da sociedade e eu aproveitei o processo para exigir os valores que são meus por direito. O mês em que me afastei foi justamente o que começaram a sair os valores altos e para me fraudar, soube de alguns clientes que pediu para levarem em mãos, assim não é possível comprovar movimentações na conta”.

A advogada conta ainda que houve duas oportunidades de agregar homens à equipe, mas o colega nunca quis, sempre arrumava uma forma de tirá-los. “Eu tenho certeza de que se fosse homem ele não agiria dessa forma, ele assumiu a postura do que cuida, de que estaria assumindo as finanças para nos ajudar de modo que a gente se sentia até agradecida e hoje eu vejo o tamanho da manipulação a que fui submetida”, desabafa.

“A intimidação foi tanta que demitiram até uma funcionária de um sindicato que a gente prestava serviço por ela ter sido solidária a mim. Da mesma forma, ninguém do escritório tem mais contato comigo e minha relação com todos era maravilhosa”.

”Desenvolvi Síndrome do Pânico”

Gabriely disse ainda ao Eufêmea que as pessoas diziam que ela devia se impor e ir para o escritório que era seu, mas ela relata que não tinha forças. “Eu fiquei totalmente de mãos atadas e sem reação. Não tinha clareza das coisas à época, pois fiquei destruída emocionalmente. Ia trabalhar chorando todos os dias, faço terapia até hoje, fui diagnosticada com ansiedade generalizada e estava com síndrome do pânico”.

“Eu tinha um pró-labore de, em média, R$20 mil reais e vi cair para zero da noite para o dia. Hoje eu estou trabalhando num coworking, não consegui ainda ter a minha própria estrutura física, mas estou me reerguendo. Graças ao acompanhamento de profissionais e à minha rede de apoio não me entreguei”.

”Fui ameaçada de morte”
Foto: Cortesia ao Eufêmea

Situação de ameaça também foi vivida pela advogada Mariana Sampaio, mas dessa vez, pelo ex-companheiro de sua cliente durante uma ação de reconhecimento e dissolução de união estável com partilha de bens.

Na ocasião, precisou haver a intervenção do juiz para solicitar que policiais acompanhassem a profissional até o carro. “Ele disse que ia me pegar para eu saber o que era bom, que não tinha nada que tá pedindo dinheiro para ele, que eu tomasse cuidado. Quando saí da audiência eram quase 20h, me senti com medo e vulnerável”.

Para ela, o fato de ser mulher cria nessas pessoas o sentimento de estarem livres para fazerem o que desejarem. “Só são valentões para cima da gente, na cabeça deles, demonstra uma “fragilidade” maior, como se a gente não fosse reagir e aceitasse a ameaça calada”.

“Sou bem sincera, em determinados casos, sendo homem a parte, eu prefiro não pegar o cliente. Sei que eu não vou me sentir confortável, principalmente quando tem um homem com esse perfil valentão, porque vai chegar o momento em que vamos ficar a sós e eu não sei o que ele vai ser capaz de fazer”, desabafa.

”Sofri assédio sexual pelo ex-chefe”

O fato de ser mulher não lhe rende ameaças só de homens, mas também já lhe trouxe problemas com outras mulheres. “Já fui ameaçada pela filha do meu ex-chefe por ela achar que eu tinha um caso com o pai dela. Eu era estagiária, tinha uns 23 anos e ele 67”, lembra.

Mariana conta que o assédio era praticado de forma recorrente pelo profissional sobre boa parte das funcionárias, que além de terem que lidar com esse constrangimento, que é crime previsto pelo Código Penal, ainda tinham que lidar com a desconfiança de outras mulheres. “A gente (estagiária) não podia falar nada, nos sentíamos coagidas e com medo dele e de perder o emprego”, completa.

”Estamos cada vez mais atentas”
Foto: Cortesia ao Eufêmea

Presidente da Comissão Especial da Mulher da OAB/AL, Cristiane Lúcio afirma que a instituição tem estado cada vez mais atenta a essa realidade, apurando de perto as denúncias de violência e assédio, não só na advocacia, mas das mulheres da sociedade civil em geral. “Estamos prontas a dar o suporte inicial necessário e, sendo o caso, acompanhar processos para respaldar excessos e garantir a segurança emocional das vítimas”.

Cristiane ressalta ainda o papel institucional da Comissão, não apenas dentro da Ordem, mas o papel social de amparar as mulheres junto a outras instituições.

“Já acompanhamos a delegacias, fóruns, tribunais e corregedoria. A Comissão não pode atuar como “advogada” mas acompanhamos até onde a vítima nos permitir para que os agressores sejam punidos ou para que, no decorrer do processo, ela se sinta segura”.

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Meline Lopes

Jornalista, advogada, especialista em comunicação e em marketing digital. Atuou como repórter de televisão durante 9 anos em diversas emissoras do Brasil. É repórter do Eufêmea.