Ana Carolina Trindade
Advogada especialista em Direito de Família e Sucessões
@anacarolinatrindade.cohen
No dia 31/10/23, entrou em vigor a Lei n.º 14.713/2023, que alterou o Código Civil (art. 1.584, §2º), e passou a impedir expressamente a concessão de guarda compartilhada de filhos de pais separados, quando há risco de violência doméstica.
Além de alterar o Código Civil, a lei também promoveu mudança no Código de Processo Civil, ao estabelecer que, nas ações de guarda, antes de iniciada a audiência de mediação e conciliação, o juiz indagará às partes e ao Ministério Público se há risco de violência doméstica ou familiar, fixando prazo para apresentação de provas ou indícios pertinentes (CPC, art. 699-A).
Nesse contexto, em caso de risco de violência, será concedida a guarda unilateral ao genitor que não é responsável pela violência ou pela situação de risco.
Embora se trate de relevante alteração legislativa, uma vez que prevê de forma expressa mais uma hipótese que excepciona a aplicação da guarda compartilhada (que continua sendo a regra), a interpretação sistemática das normas anteriores a esta inovação legislativa já possibilitava que o julgador deixasse de fixar a guarda compartilhada em casos de violência familiar; haja vista a impossibilidade prática de exercício do poder familiar por ambos os genitores em tais casos.
As mudanças têm o objetivo de reforçar, portanto, que, além de organizar o exercício da autoridade parental no caso de filhos de pais separados, a guarda é uma medida de proteção, que visa a assegurar os interesses dos filhos menores, que devem, sempre, ser priorizados.
Guarda e poder familiar (autoridade parental)
O poder familiar é de titularidade de ambos os genitores, e se refere à autoridade que os pais exercem com relação aos filhos menores. Não se trata de um mero poder, mas de uma obrigação de exercício de direitos e deveres em benefício dos filhos.
Quando há separação do casal, é necessário definir como esses direitos e obrigações serão exercidos, daí por que falamos em guarda.
Em regra, a guarda dos filhos de pais separados deve ser compartilhada, no sentido de que, mesmo separados, os pais são conjuntamente responsáveis quanto ao exercício dos direitos e deveres concernentes aos filhos comuns.
Já na guarda unilateral, tais atribuições serão exercidas com exclusividade por apenas um dos genitores (embora o outro não perca o poder familiar); e o genitor não guardião continuará exercendo o direito de convivência com o filho (da forma acordada entre as partes, ou decidida judicialmente).
O que mudou com a Lei n.º 14.713/2023?
Antes da alteração legislativa, o Código Civil apenas excepcionava a guarda compartilhada em duas hipóteses: a) quando um dos genitores não desejasse a guarda do filho; ou b) em atenção a necessidades específicas do filho.
Com a mudança, passamos a ter mais uma hipótese expressamente prevista em lei, que se trata dos casos de violência doméstica ou familiar.
Violência doméstica ou familiar
Ao se referir à violência doméstica ou familiar como hipótese que justifica a fixação da guarda unilateral, a nova redação do Código Civil se refere a qualquer uma das pessoas que compõem o núcleo familiar, notadamente às crianças e adolescentes e às mulheres, que são as principais vítimas, na grande maioria dos casos.
Ademais, necessário destacar que a previsão não diz respeito apenas à violência física, mas a qualquer forma de violência que possa implicar no regular e cuidadoso exercício da autoridade parental quanto aos filhos.
Sendo fixada a guarda unilateral, o genitor não guardião ficará impedido de conviver com o filho?
A fixação da guarda unilateral não impede, por si só, o exercício do direito de convivência por parte do genitor não guardião.
Todavia, em situações de violência que repercutam diretamente na segurança e cuidados com o filho, é possível, diante das circunstâncias do caso concreto, que a convivência seja suspensa ou que se dê mediante supervisão.
A eventual suspensão da convivência trata-se de situação complexa, que precisa ser muito bem analisada pelo julgador, com vistas a evitar decisões que violem o direito de convivência entre pais e filhos. É medida excepcional, que somente deve ser adotada quando realmente existirem elementos que demonstrem que o convívio é prejudicial à criança ou adolescente.