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A vida depois da Braskem: “O que eu só peço é justiça”

Foto: CNN

Em Maceió, um poço de extração de sal-gema, operado pela petroquímica Braskem, pode colapsar a qualquer momento. É o que diz a Defesa Civil sobre a mina 18, localizada no bairro Mutange, às margens da Lagoa Mundaú, onde vivem diversas marisqueiras, e aproximadamente a 5 quilômetros do centro da cidade.

A pedido do Ministério Público e por determinação da Justiça Federal, as famílias que vivem no Mutange e em bairros próximos, tiveram que deixar para trás seus lares e as memórias afetivas que de lá compartilham. Ao Eufêmea, Letícia Aguiar e Gabriele Aragão dividem o sentimento de medo, insegurança e revolta: “para a minha avó é algo muito triste abrir mão de uma casa que ela conquistou por conta própria. Agora, ela chora querendo voltar para lá”.

“Naquelas casas estão nossas histórias”

Letícia Aguiar é jornalista e mora no bairro Bom Parto com sua mãe e avó desde os primeiros dias de vida. As paredes da casa da rua São Sebastião testemunharam os primeiros passos, as primeiras palavras, os sonhos de adolescente e as conquistas profissionais da jornalista.

Com o alerta emitido pela Defesa Civil na quarta-feira, o lar que a viu crescer agora está com risco iminente de desabamento, podendo desaparecer do mapa. O medo de uma possível tragédia fez a família dela desocupar a casa e se realocar na residência de uma parente até conseguir indenização ou até simplesmente alugar um imóvel e pagar com recursos próprios.

Letícia à esquerda com a sua família no quintal de casa. Foto: Cortesia

“A nossa casa ainda não está no mapa de risco, mas não tem como ficar lá, porque de toda forma ela fica perto do foco dessa mina. Então por isso, não nos sentimos mais seguras lá. As pessoas já saíram da maioria das ruas, mas os meus vizinhos continuam lá com o clima de insegurança, porque realmente não tem para onde ir”, afirma.

De todas as integrantes da família, a mais afetada é a avó, que chora desesperada pela vida que mudou de um dia para o outro. A casa da matriarca sempre foi motivo de orgulho, por ter sido conquistada pelo “próprio suor” e pela persistência diária.

“A minha avó já é idosa e tem quase 80 anos, então para ela tudo isso foi um choque muito grande. Ela não aceita, fica com medo, preocupada e chorando com vontade de voltar para lá. Inclusive, daqui para frente vai ser muito difícil conseguir uma casa semelhante aquela, porque minha avó gosta de casa espaçosa, com quintal para abrigar as plantas”, diz Letícia.

Para a jornalista, a maior revolta é esse caso tomar repercussão em rede nacional somente em 2023, já com cinco bairros afundados e diversas histórias e memórias dizimadas. Além disso, ela destaca a abordagem das reportagens e as opções que estão dando às pessoas que não conseguem se abrigar na casa de outros familiares.

“Temos que culpabilizar nas reportagens quem verdadeiramente é a culpada, que é a Braskem, uma empresa que fez o que quis aqui em Maceió com o consentimento de muitos, e que só agora, vieram acordar. Outra coisa, é terrível pensar que eles estão dando como opção de abrigo as escolas, como assim escolas? Vão alocar a gente lá como qualquer coisa? A indenização tem que ser imediata para termos as mínimas condições de vida. Para a maioria isso vai ser esquecido, mas para nós isso vai ser sempre uma cicatriz, é naquelas casas que estão nossas histórias”, desabafa.

“Estamos vivendo isoladas”

Gabriele Aragão é outra alagoana, que junto com a sua mãe e irmã, também foi afetada pelas extrações de sal-gema da Braskem. No entanto, no caso delas o problema existe desde 2018, quando os primeiros bairros começaram a afundar.

Gabriele à esquerda com sua irmã e mãe. Foto: Cortesia

“Eu moro no bairro Bebedouro desde que nasci, especificamente no Flexal de Cima. Quando começaram os afundamentos lá em 2018, eles tiraram metade das pessoas do Flexal de Cima e do Flexal de Baixo e deixaram uma outra metade, porque não consideraram área de risco, mas eu não entendo como não pode ser se estamos localizados no mesmo lugar, onde tudo tá afundando”, afirma ela.

A advogada relata que há 5 anos reivindica com os outros moradores a realocação, sem sucesso, tem recorrido às manifestações e protestos. Segundo ela, a resposta dos órgãos competentes é que o bairro será revitalizado, e assim, voltará a ter habitação normal.

“Estamos vivendo isoladas socialmente e economicamente, é um bairro esquisito, sem movimentação de pessoas, porque não sobrou quase ninguém. Não tem padaria, supermercado, farmácia e até para pegar ônibus é difícil. A rotina aqui é chegar em casa e se trancar, e ainda assim, temer aos assaltos e a qualquer tipo de violência. Meus vizinhos, por exemplo, já foram assaltados. Por isso exigimos, realocação já”.

Último protesto realizado no dia 01/12. Foto: Cortesia

“Minha mãe está tomando antidepressivos”

Após o alerta da Defesa Civil sobre o possível colapso da mina 18, Gabriele está na casa de uma tia com a irmã e a mãe, mas sem perspectiva de ser indenizada ou, ao menos, ter direito ao aluguel social. “ A gente se sente vulnerável e inseguro. É um descaso total com os moradores, eles sabem e veem que não tem a mínima condição de morar aqui. Até água falta, como que vive desse jeito? Viver ali, é viver todo santo dia em estado de alerta e com medo”.

O prejuízo, além de social e econômico, é também psicológico. A mãe de Gabriele, por exemplo, está fazendo o uso de antidepressivos, por causa da mudança drástica há cinco anos em uma rotina que antes era considerada “normal”. “Agora com esse novo caso do Mutange as coisas só tendem a piorar. A gente fica entre o ficar e correr risco de vida, e entre o sair deixando as coisas para trás, com risco de os assaltantes invadirem a casa e furtar tudo”, desabafa angustiada.

Para finalizar, Gabriele ainda reitera:

“É uma das maiores catástrofes ambientais, digo nem catástrofe, falo crime mesmo. O que eu só peço, é justiça, que os culpados sejam responsabilizados e que as instituições internacionais acompanhem o caso, já os órgãos locais estão se mostrando ser incompetentes”.

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Cecília Calado

Pernambucana vivendo em terras alagoanas, Cecília Calado é estudante de Jornalismo com experiência em mídias sociais e produção de rádio e TV. Considera o Jornalismo uma ferramenta de transformação social.