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A mulher singular, que é plural, existe quando a Outra mulher insiste

Hoje, para encerrar o mês dedicado às mulheres, convido a querida Dra. Cristiane Souza, psicóloga clínica e organizacional (CRP-15/1454), doutora em Linguística com Tese sobre Mulheres de Negócios, pesquisadora, escritora, professora universitária, consultora, mentora e palestrante, e mãe de Lucas e Lavínia, para trazer sua perspectiva sobre o ser mulher.

Inicialmente, agradeço a oportunidade de contribuir com as mulheres. É uma honra compartilhar meus dias com tantas talentosas, criativas e plurais. Entendo que somos um assunto inacabado, um dos maiores desafios no mundo contemporâneo, pois a mulher é diversa, e é exatamente por isso que não há como prever suas reações, julgar suas decisões. As muitas que vivem em cada uma de nós convivem com o “tornar-se mulher”, que ganhou um espaço central na teoria e na prática psicanalítica.

A clássica pergunta “o que quer uma mulher?” acompanha as produções científicas elaboradas até aqui. E ao declarar “A mulher não existe”, Lacan antecipava uma questão ainda maior: existem as mulheres sim e como! Elas estão por toda parte. Em que pese isso, Lacan quis dizer que não significa que não existam mulheres, mas que elas devam ser contadas uma a uma em sua singularidade, sem pretensão de formar uma injunção do “para toda mulher”.

Das publicações que tratam da mulher, vemos poucas análises sobre o seu lugar no mundo. Uma realidade almejada pelos movimentos libertários para superar o modelo patriarcal, que não equaciona binômio vida privada e vida pública e delega a tarefa ao feminino, que tenta resolvê-la em esforço físico e emocional, que não se contabiliza, que muitos não enxergam.

Com base em registros históricos, a atuação feminina na sociedade tem sido desenvolvida e baseada em ideologias opressoras, que não viabilizavam a autonomia para nós, mulheres. A luta contínua pelo direito de participação, para romper a redoma doméstica, propiciou construções histórico-ideológicas e discursivas que atribuem à mulher uma identidade que amplia suas áreas de desempenho por escolha, e não por imposição. No entanto, ainda enfrentamos um árduo processo de aceitação social.

No Brasil, somos 51,5% de mulheres pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelando um excedente de 6 milhões de mulheres em relação ao número total de homens. Além disso, retomo o recente post no Instagram do Portal Eufemea, que cita a pesquisa What Women Want, realizada pela Kantar, sobre autoestima da mulher brasileira.

Dos seus resultados, a autonomia financeira e corporal foram mais importantes na composição da autoestima, representando 24% e 23%, respectivamente, seguidas pela liberdade de pensamento e expressão (22%), representatividade (16%) e conexões sociais (15%). Comparativamente, a pesquisa também demonstrou uma diferença considerável entre os níveis de autoestima das mulheres em relação aos homens: 36% do público masculino diz ter autoestima acima da média, contra apenas 28% do feminino.

Diante disso, há necessidade de mais reflexões sobre o que realmente importa à mulher, principalmente em termos de autoconhecimento e beleza interior, que sabemos que quanto maior, melhor para a autoconfiança e autoaceitação. Contudo, na atualidade, o que vemos é uma profusão de inúmeras imagens de corpos femininos sempre esboçando felicidade e satisfação plena pela vida, com rotinas e relacionamentos. Existência de supermulheres, que dão conta de tudo, viralizando um modelo a ser seguido, de um saber do “para todas”: mulher linda, autônoma, poderosa, fitness, a liberal. Imperativos que cortam o corpo em uma tentativa de fabricar todas iguais.

Confesso que sempre penso sobre a maior dificuldade enfrentada pelas mulheres e sempre confirmo que são inúmeras. Enfrentamos discriminação, assédio, falta de oportunidades, desigualdades salariais, baixa representatividade política, menor presença em cargos de poder, maioria na chefia das famílias, falta de amparo no exercício dos direitos sexuais e reprodutivos, adoecimento mental, violência de todos os níveis, o feminicídio.

Portanto, uma série de desafios atravessam as realidades de cada uma de nós: mulheres pretas, brancas, trans, deficientes, pobres, ricas, indígenas, ribeirinhas, do campo, quilombolas, de carreira solo, entre outras. Cada uma de nós com nossas pautas prioritárias, a depender da concretude de nossas vidas.

Diante de tudo, o maior desafio de uma mulher hoje é se manter “viva”, buscando conhecer sua força interna que reverbera para seu exterior. Da infância até a velhice, precisamos reavaliar valores, costumes, conhecimentos, práticas, modos de vida e respeito por nossos ritmos e ciclos. Analisar a evolução social, onde conquistamos espaços antes inacessíveis, desafiando preconceitos e moldando novos paradigmas, a exemplo da resiliência e força, desempenho no papel profissional, familiar e emocional, desenvolvendo habilidades ao dividir-se entre diferentes esferas.

O feminino de todo dia convida a mulher singular, que é plural, a comprometer-se com as mulheres, que queremos sempre vivas fisicamente e psicologicamente. E nós não estamos sozinhas, pois enquanto houver força, união e o conhecimento entre as mulheres, a mulher pode sair da escuridão. E, se nós, mulheres, precisamos nos defender e nos apoiar, o movimento precisa começar quando a mulher insiste.

Nas palavras de Simone de Beauvoir, “que nada nos limite, que nada nos defina, que nada nos sujeite. Que a liberdade seja nossa própria substância, já que viver é ser livre”.

Dra. Cristiane Souza – @crisosouzapsi
Psicóloga clínica e organizacional (CRP-15/1454), Doutora em Linguística com Tese
sobre Mulheres de Negócios, Pesquisadora, Escritora, Professora Universitária,
Consultora, Mentora, Palestrante. Mãe de Lucas e Lavínia.

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Natasha Taques

Psicóloga clínica (CRP-15/6536), formada em Terapia do Esquema pelo Instituto de Educação e Reabilitação Emocional (INSERE), Formação em Terapia do Esquema para casal pelo Instituto de Teoria e Pesquisa em Psicoterapia Cognitivo-Comportamental (ITPC).