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Maceió não elegeu nenhuma mulher negra nas eleições de 2020: “lutar contra a memória colonizadora”

Nenhuma mulher negra foi eleita vereadora de Maceió nas eleições de 2020. Apenas quatro foram eleitas: Teca Nelma (PT), Gaby Ronalsa (PV), Silvânia Barbosa (MDB) e Olívia Tenório (Progressistas). Na história de Maceió, apenas 21 mulheres foram eleitas vereadoras. Entre essas, nenhuma se autodeclarou negra.

Baixa representatividade no Nordeste

Os números refletem a realidade do Nordeste. Segundo dados do TSE, 57% dos municípios nordestinos não tiveram nenhuma candidatura feminina. O número é ainda menor quando aplicado o recorte de gênero: apenas 51% dos municípios tiveram candidaturas de mulheres negras.

No Brasil, onde o maior grupo demográfico é representado por mulheres negras (28%), segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apenas 6% dos eleitos a vereadores nas últimas eleições eram mulheres.

A ativista Arísia Barros, fundadora do Instituto Raízes da África, reforça que Alagoas é um estado demograficamente negro, mas que, mesmo com essa representatividade na autodeclaração, não há a mesma representação nos poderes públicos.

“Não é lutar apenas contra o racismo. É importante lutar contra a memória colonizadora de que nós, pretos e pretas, não servimos ainda para este lugar. É um processo complexo. E Alagoas ainda traz, em si, uma história de subjugação”, afirma Arísia Barros.

Para ela, um ponto determinante para a falta de mulheres negras nesses cargos de poder é que a política de Alagoas ainda é fundamentalmente branca e hegemônica, o que exclui a possibilidade de discussão e criação de políticas públicas eficientes que combatam essa desigualdade.

Segundo a ativista, além da criação de políticas públicas, outra medida a ser tomada em prol de uma maior representatividade no âmbito político do estado é ampliar o diálogo e a união entre os coletivos da luta negra do estado, unindo forças para ocupar esses lugares.

“As lutas negras em Alagoas precisam de um olhar mais político, para que exista um movimento de continuidade”, afirma Arísia.

“Nunca me senti segura”

Foto: Cortesia

“Desde os meus 20 anos, eu tenho vontade de me candidatar a vereadora por Maceió, mas nunca me senti segura no cenário maceioense, principalmente por ser uma mulher negra de periferia”, revela a ativista social e historiadora Marya Marcelino.

Ela acredita que a falta de representatividade de mulheres negras na política é um reflexo de desigualdades históricas e estruturais que se arrastam há séculos. As consequências, no entanto, são refletidas nos dias atuais, em um cenário de poder público municipal escasso de personalidades femininas negras e sem espaço para recebê-las.

“Eu, como mulher negra, sei que muitos na política não nos enxergam como potência. E muitas vezes o que falta é apoio dos próprios partidos”, afirma a historiadora.

Para Marya, para mudar essa realidade é necessário promover a igualdade de oportunidades dentro do âmbito político, assim como combater o racismo institucional e apoiar candidaturas negras em todas as esferas de poder.

“A educação e conscientização sobre a importância da diversidade e inclusão também são ferramentas poderosas para promover a mudança”, reforça.

Almerinda Farias Gama

Apesar da baixa representatividade nos dias atuais, Maceió é a terra natal de Almerinda Farias Gama (1889-1999), mulher negra, advogada, ícone da luta pela garantia do voto feminino no Brasil e uma das primeiras mulheres negras a atuar na política no país.

Almerinda também foi uma das duas primeiras mulheres a participar do processo de formação de uma Assembleia Constituinte, em 1934 – ela atuou ao lado de Carlota Pereira de Queirós. Ela também foi presidente do Partido Socialista Proletário do Brasil até 1937, ano em que o partido foi extinto devido ao golpe do Estado Novo.