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Quais são as dificuldades enfrentadas pelas mulheres pré-candidatas nas eleições?

“São estigmas que precisamos derrubar, de mostrar que as mulheres têm capacidade e que precisam ter as mesmas condições que os homens para serem eleitas”, afirma a cientista política Luciana Santana. Ela ressalta que a mudança na cultura política e uma compreensão ampla do papel do estado são fundamentais para criar um ambiente mais inclusivo para as mulheres pré-candidatas nas eleições.

Segundo o TSE Mulheres, nas últimas eleições gerais do país (2020), apenas 33% dos candidatos eram mulheres. Em Alagoas, os números são ainda menores, com apenas 18% de candidatas mulheres nas últimas eleições. Isso significa que em 63% dos municípios alagoanos não houve candidatas mulheres.

Mas afinal, qual são as dificuldades que as mulheres que são pré-candidatas enfrentam?

Mudança na cultura política

Foto: Luciana Santana, cientista política

Para Luciana, dentro do funcionalismo público, existem legislações, como a de igualdade salarial (Lei 14.611, de 2023) e a de cota de gênero dentro dos partidos (Lei nº 9.504/1997), que por si só reduzem um pouco dessa desigualdade.

“O que falta é o respeito às mulheres para ocuparem esses espaços, considerar que elas podem assumir cargos de chefia e liderança dentro dessas instituições, pontos que dependem das pessoas que estão dentro desses lugares”, ressalta.

Segundo a especialista, essa problemática só pode ser resolvida através da educação da sociedade sobre as questões de gênero, mas que isso precisa começar de cedo. “A gente precisa mudar a cultura política. Precisa educar mais as pessoas no sentido de reduzir essa desigualdade de gênero, e isso começa lá na base, de um bebê até um idoso”, afirma.

Ainda segundo Luciana, a cultura brasileira ainda não reconhece igualdade de capacidade entre homens e mulheres em diversas áreas da sociedade, o que se reflete nas urnas.

“Hoje temos uma porcentagem muito grande de pessoas que ainda não votam em mulheres. Isso mostra que ainda há uma expectativa e segurança muito maior dos eleitores – independente do gênero – de votar em homens do que em mulheres”, explica.

Dificuldades para pré-candidatas negras

Foto: Alycia Oliveira

De acordo com o Centro Feminista de Estudos e Assessorias (Cfemea), as mulheres representam apenas 16% dos vereadores eleitos nas últimas eleições municipais (2020). Apenas 13% dos municípios brasileiros contam com mulheres prefeitas e nenhuma capital do país é comandada por uma mulher.

Estes números são ainda mais alarmantes quando há um recorte racial: as mulheres negras representam apenas 6% do total de vereadores no país; apenas 4% estão nas prefeituras. Já na esfera das Câmaras Municipais, 53% das cidades brasileiras não têm nenhuma mulher negra como parlamentar.

Alycia Oliveira é representante da Bancada Negra e pré-candidata a vereadora de Maceió. Para ela, a interseção entre raça e gênero é constantemente evidenciada no ambiente de disputa que é a política institucional. “Por isso, nós mulheres negras saímos atrás na corrida”, explica.

Ela destaca a questão da sub-representação, bem como a resistência e as barreiras que as mulheres enfrentam ao tentarem se fazer ouvir e serem levadas a sério em espaços dominados por homens brancos.

“Nós mulheres, principalmente mulheres negras, não somos educadas para nos colocarmos socialmente. Somos o tempo todo retaliadas, para que nossas opiniões e intenções não sejam levadas em consideração. Colocar-se em um lugar de tamanha vulnerabilidade, ocupado majoritariamente pelos homens brancos, é um grande desafio para nós”, relata.

Em sua pré-candidatura, ela relata que enfrentar a estrutura organizacional da disputa política é um de seus principais desafios. Isso se deve ao fato de que o estado de Alagoas e a cidade de Maceió ainda refletem a lógica na qual a maioria dos ocupantes de cargos eletivos são homens brancos de famílias tradicionais, em que o capital financeiro e político são transmitidos de sobrenome para sobrenome.

Para enfrentar essas dificuldades, ela adota como estratégia a implementação de uma candidatura coletiva para a política alagoana. A Bancada Negra emerge como uma alternativa, sendo uma organização política composta por diversos grupos e indivíduos ligados ao movimento negro e aos movimentos sociais.

“Através da construção coletiva, buscamos contornar a falta de poder econômico e de privilégios sociais que geralmente estão presentes entre as pessoas que ocupam cargos eletivos”, reafirma.

Segundo a pré-candidata, essa estratégia tem se mostrado eficaz. Nos últimos dois anos, desde que assumiu a coordenação do projeto, foi possível observar um aumento significativo na quantidade de pessoas que passaram a participar das atividades do grupo.

Por que os homens não querem mulher na política?

Cientista política Augusta Teixeira

Para a cientista política Augusta Teixeira, a pré-candidatura de mulheres simboliza uma ameaça aos homens porque vai de encontro a uma lógica invariável estabelecida na sociedade patriarcal.

“A escolha de políticas públicas que geram mais independência para as mulheres, desestrutura os homens e questionam a desigualdade de gênero, tornam as mulheres mais críticas, assertivas, dotadas de autoridade e multiplicadoras para confrontar como as estruturas são organizadas e, principalmente, mantidas para o benefício dos homens”, enfatiza.

Em um contexto dominado por homens, as mulheres são frequentemente colocadas em um papel de “cuidadoras”. Até mesmo em casos em que as mulheres obtêm sucesso e conseguem se eleger, muitas vezes suas imagens políticas são associadas à figura materna: “Como a de uma mulher que cuidará bem da casa (o Estado) e dos filhos (a população)”, ressalta.

De acordo com ela, mulheres que escapam desse papel de “doçura” e que não sacrificam seus interesses em prol do homem nem sempre são bem vistas socialmente.

“Os espaços políticos precisam ser, acima de tudo, acolhedores para as mulheres: é necessário combater o assédio (moral e sexual) dentro da política; os espaços precisam atender às necessidades das mulheres que desejam ter mais de um papel, sem deixar de lado sua individualidade”, enfatiza.

Roubar a vaga?

Foto: Olívia Tenório

É frequente que mulheres pré-candidatas enfrentem uma série de desafios ao ingressar na esfera política. Olívia Tenório, vereadora que busca a reeleição este ano, enfrentou diversos desafios ao longo de sua jornada política. Ela conta que na sua primeira candidatura, ela era desacreditada. “Alguns partidos me queriam porque não acreditavam que eu poderia ganhar, mas queriam que eu preenchesse a cota”, relembra. Na época, Olívia não ganhou.

Nas últimas eleições municipais, Olívia foi eleita vereadora por Maceió. Mas isso não significa que ela não tenha continuado enfrentando uma jornada desafiadora. Para sua reeleição este ano, Olívia enfrentou uma resistência ainda maior. “Senti um peso adicional: a sensação de que não me queriam porque poderia ‘roubar’ a vaga de um homem”, contou.

Ela mencionou que compreende o desejo de todos os pré-candidatos em ganhar, e reconhece que não desejam alguém que “tire” uma vaga. Contudo, a vereadora observou que, quando os partidos precisavam escolher cinco pessoas, priorizavam os homens.

“Quando chegava a vez das mulheres, eles afirmavam: ‘ah, já preenchemos as cinco vagas com base nas médias de votos e não queremos mais você’. Senti dificuldades desta vez.”

Olívia reforçou que a cota de gênero é importante, mas observou que os homens desejam mulheres que preencham as cotas sem “roubar” suas vagas. “A cota de gênero é essencial para garantir a representação das mulheres na política, mas notei que os homens esperam que ocupemos esses espaços sem ameaçar suas posições”, concluiu.