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“Seu cabelo é horrível”: Um ano após minha transição capilar, eu sofri racismo…

Quando iniciei meu processo de transição capilar, foi porque não queria mais ter cabelo alisado. A selagem, que antes durava mais de um mês, já não mantinha o efeito. Mas havia um medo latente dentro de mim: será que meu cabelo era feio? Durante toda a minha infância e adolescência, eu ouvi essa afirmação repetidamente, e, por isso, acreditava que meu cabelo era feio. O detalhe é que eu não conhecia meu próprio cabelo; não sabia se ele tinha cachos, se era crespo ou ondulado. Como alisei meu cabelo muito nova, não tinha ideia de sua verdadeira textura.

Meu processo de transição capilar já é bem conhecido por algumas pessoas. Escrevi sobre isso em “Minha Experiência: ‘Eu me reencontrei após a minha transição capilar'”. O que quero compartilhar hoje, um ano após o meu big chop, é algo ‘novo’ que estou passando. Não que seja realmente novo, mas, aos 32 anos, com uma nova percepção, percebi que sofri racismo diversas vezes. Muitas dessas vezes de forma sutil, a ponto de eu não entender na época que era racismo. Hoje, eu entendo.

Recentemente, ouvi comentários de que meu cabelo era feio, horroroso, uma presepada, que ele estava “mais bonito” antes. Além de ouvir isso, a pessoa que fez esses comentários pegou no meu cabelo, amassando-o, como forma de demonstrar o ódio que sentia. Eu não tive reação. Não é vergonhoso admitir que não consegui acreditar que a pessoa fez aquilo comigo e que minha vontade de responder deu lugar ao pensamento: “ela é mais velha que você, você precisa respeitá-la”.

Cresci ouvindo que precisava respeitar os mais velhos, mas quando os mais velhos te desrespeitam, o que fazer? Por mais que eu esteja ciente do quanto amo meu cabelo hoje em dia, ouvir aquilo dela me fez mergulhar numa camada profunda de dor e trauma. Foi como se eu tivesse sido automaticamente transportada para a Raíssa criança que ouviu isso por tantos anos. Só que agora, como mulher, eu tinha plena consciência do que aquilo significava: RACISMO.

Na época em que meu cabelo era alisado, eu não ouvia críticas de forma tão direta. Era como se eu fosse mais socialmente aceita. A verdade é que, conforme você se afasta do ‘padrão’, mais incomoda as pessoas. Ou seja, sou considerada feia porque não me encaixo naquele padrão.

Aprendi no meu processo de terapia e leituras sobre gênero que é preciso nomear as coisas. Nomear torna a dor mais real, mas também nos permite entender exatamente o que vivemos. Eu sofri racismo. Admitir isso para mim foi tão doloroso que o primeiro pensamento que me veio foi: “eu realmente não acredito num mundo melhor, não tem mais jeito”. Eu, que sempre acredito que as coisas podem melhorar, me vi mergulhada numa tristeza profunda, imersa em meus próprios pensamentos destrutivos.

Levei o assunto para a sessão de terapia. Muitas descobertas. Hoje, consigo perceber que estou me apropriando de mim mesma, reconhecendo quem sou e entendendo que manter esse cabelo requer muita coragem. Eu achava que não, mas agora compreendo que requer. Eu não fiz apenas uma transição capilar.

Com a transição, as pessoas começaram a me enxergar como uma mulher negra, algo que antes não acontecia. Eu, que cresci sem saber se era preta, parda ou qualquer outra coisa, comecei a entender que, sim, eu era uma mulher negra. Mas isso levou tempo e autoconhecimento. Sempre ouvia das pessoas que eu não era negra, que eu era uma “moreninha clara”.

Agora, uma semana depois do que aconteceu, consigo escrever sobre isso – sempre expressei meus sentimentos através da escrita – e analisar a situação de forma mais racional. Entendo que não deveria ter me calado e que não devo permitir que alguém me desrespeite. Ao fazer isso, estou me desrespeitando. É importante lembrar também que não estamos falando apenas de um desrespeito, estamos falando de um crime.

Meu cabelo representa força para mim. Ele representa quem eu sou, e por isso fiz um pacto comigo mesma: “Você não vai mais levar para sua vida o que te fere. Você não vai mais aceitar isso. Você vai levantar e vai revidar”.

Estou no Instagram: @raissa.franca

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Raíssa França

Cofundadora do Eufêmea, Jornalista formada pela UNIT Alagoas e pós-graduanda em Direitos Humanos, Gênero e Sexualidade. Em 2023, venceu o Troféu Mulher Imprensa na categoria Nordeste e o prêmio Sebrae Mulher de Negócios em Alagoas.