Foto: Elaine Cristina/Créditos: Thiago Paixão
“A Câmara Municipal tenta, 24 horas por dia, me invisibilizar. Nossos projetos não são votados e nossas falas não têm valor. Nós estudamos, temos riqueza técnica, riqueza política, e isso não vale de nada. Muitas mulheres são invisibilizadas porque as câmaras entendem o potencial dessas mulheres e, quanto mais visibilidade elas tiverem, mais espaço na política elas terão”, disse Adriana Gerônimo (PSOL), vereadora de Fortaleza (CE), mulher negra, mãe, LGBT e assistente social.
Dentre as 43 vagas na Câmara Municipal de Fortaleza, apenas 9 são ocupadas por parlamentares do gênero feminino, das quais três foram reeleitas. As mulheres representam apenas 20,9% dos vereadores da Câmara Municipal de Fortaleza.
Sonho coletivo
Adriana descreveu a reação da comunidade ao seu cargo como co-vereadora com surpresa e cobrança.
Ela avalia que, apesar das limitações institucionais, a reação foi positiva e representou a concretização de um sonho coletivo. No entanto, equilibrar a vida pessoal e profissional é um desafio constante para Adriana. “Jamais conseguiria fazer isso se não tivesse uma rede de apoio, como tenho hoje”, destacou.
Casada com uma mulher que a apoia nas tarefas diárias e no cuidado com as crianças, Adriana enfatiza a importância desse apoio. “Vivemos numa casa onde somos todas mulheres e nos apoiamos mutuamente. Para conseguir dar conta dessa vida de dona de casa, do cuidado umas com as outras e de tudo o que precisamos administrar, tanto como assistente social quanto como mãe”, disse.
Pouca representatividade
Para mudar o cenário atual de pouca representatividade, Adriana defende a necessidade de leis concretas que garantam paridade de gênero e racial. “Precisamos de leis mais concretas, de cotas e garantias de permanência na política”, afirmou.
Adriana vê como positivo o fato de as mulheres entenderem as contradições da sociedade e estarem bem posicionadas para promover mudanças. “São essas mulheres que fazem equilíbrio todo mês para que as contas da casa fechem. Elas vivem com muito pouco; imagine se tivessem muito, como não conseguiriam fazer grandes revoluções”, observou.
Jovens na política
Outra adversidade enfrentada por mulheres políticas é a idade. Muitas vezes, mulheres mais jovens são descredibilizadas e não são levadas a sério no âmbito público. A vereadora Brisa Bracchi (PT), de Natal (RN), é um exemplo vivo dessa dificuldade. Eleita aos 22 anos, Brisa foi a mulher mais jovem a ocupar esse cargo na história da cidade.
Brisa foi considerada a vereadora mais produtiva em seu primeiro ano de mandato e eleita Parlamentar Destaque em 2022. Sobre esse rápido sucesso, ela atribui à intensa dedicação ao trabalho.
“No nosso mandato, trabalhamos bastante. Somos bastante inquietas e até um tanto atrevidas, mas apenas porque acreditamos que estamos longe da Natal que queremos. Talvez por sermos oposição e defendermos outro projeto político para a cidade, ou talvez porque passamos muito tempo sem alguém como nós para nos representar. O ponto é que temos muita sede de transformação”, afirmou.
“Barrada de entrar no plenário”
Entretanto, o preconceito e a discriminação continuam sendo uma realidade constante. Ela contou que no primeiro dia na Câmara, foi praticamente barrada de entrar no plenário. O segurança não teria entendido que ela era parlamentar.
“Um caso mais recente foi a briga que tivemos com um vereador que resolveu criticar a deputada federal Natália Bonavides, que também é uma parlamentar jovem, a partir da aparência dela. É claro que cada caso é um caso, mas é importante ser firme nessas situações e não deixar passar nenhuma atitude misógina”, contou Brisa.
A vereadora por Natal compartilhou suas perspectivas sobre como superar os obstáculos e promover a representatividade de mulheres negras e LGBTQIA+ na política. Para ela, a organização coletiva é essencial.
“Eu acredito numa política construída por muitas mãos, e para isso é importante estar conectada com os movimentos sociais. É neles que reside a força coletiva e é com eles que conseguimos construir políticas e enfrentamentos juntos”, afirmou.
Ao refletir sobre o papel das mulheres jovens na política, Brisa destaca a importância de transformar o ambiente político. “Por muito tempo, a política foi um espaço dominado apenas por homens brancos de meia idade. Nossa geração chegou para mostrar que as jovens também fazem política, mas principalmente: fazemos do nosso jeito”, explicou.
“Toda mãe atípica é uma mulher política”
A vereadora Elaine Cristina (PSOL) é outro exemplo de como diversas identidades e lutas pessoais podem influenciar e moldar uma trajetória política. Mulher negra, mãe atípica e defensora da medicina da maconha, Elaine compartilhou que iniciou sua trajetória política a partir de sua experiência como mãe atípica.
“Minha atuação política se iniciou quando percebi que era mãe de um filho atípico. Antes de Pedro chegar na minha vida, eu levava uma rotina comum, como a maioria das mulheres negras das periferias do Recife. Após a chegada dele e diante das demandas e necessidades específicas, fui me tornando uma mulher política. Acredito que toda mãe de um filho atípico é uma mulher política. Assim, fui percebendo as complexidades que atravessam minha vida”, relatou.
Para Elaine, ingressar na política destacou o desafio de conciliar a maternidade com o trabalho, sobretudo quando se é uma mulher negra e da periferia.
“Muitas de nós não somos ensinadas nem preparadas para ocupar espaços de poder e decisão. Hoje, o maior desafio não é apenas subir em uma tribuna, fazer discursos ou formular políticas. É fazer tudo isso sem negligenciar meu filho”, explicou.
Incentivos à participação
Sobre a representatividade de mulheres negras na política, Elaine acredita que a mudança virá com o fortalecimento das políticas de cotas e incentivos à participação. Ela relata uma situação pessoal em que só percebeu que poderia se tornar vereadora ao ver outras mulheres fazendo o mesmo.
“A vereadora enfatiza que legisla por ser uma mulher negra e mãe atípica. No entanto, destaca que algumas pessoas não a levam a sério. ‘Algumas pessoas se mostram resistentes e não acreditam que o que eu faço é político. Já fui chamada de ‘mãeconheira’, de forma pejorativa, e também já fui taxada com diversos outros insultos’, continuou Elaine.
Sobre a sua defesa da medicina da maconha, ela reforça que um dos maiores desafios de defender a pauta é ser colocada no lugar de marginalidade.
“Como única vereadora negra, periférica e defensora da medicina da maconha, sou colocada em uma posição diferente dos outros parlamentares que defendem essa causa. Recentemente, aprovamos no calendário municipal do Recife o ‘Dia de conscientização do uso da cannabis medicinal’ e estamos aguardando apenas a sanção do Prefeito. Eu luto pela qualidade de vida, porque a maconha salva vidas, e meu filho é uma prova disso”, finalizou Elaine.
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