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Modelo trans cearense transforma povoado em passarela e conquista visibilidade nas redes sociais

Foto: Arquivo Pessoal

Em um povoado no interior do Ceará, Kayla Oliveira, 27 anos, uma modelo trans, transforma o chão de terra em uma passarela improvisada. Seus vídeos, que têm ganhado popularidade nas redes sociais, mostram a modelo montada em um jumento e posando entre a vegetação da caatinga e o curral dos avós.

A simplicidade do local, habitado por apenas seis famílias, não impede Kayla de mostrar sua realidade. Ela diz ao Eufêmea. “Através da criação e dos ensinamentos que obtive, fui me moldando e me tornando a pessoa que sou hoje”, fala.

“Mesmo em meio a várias coisas extraordinárias, conheço e reconheço o valor das coisas mais simples da vida, e carrego comigo essa essência que me foi ensinada desde pequena”, afirma.

Apoio familiar

A cearense perdeu a mãe quando tinha 1 ano e 6 meses. Apesar de não ter muitas lembranças, as histórias contadas por seus familiares ajudam a manter viva a memória da mãe.

“A força de vontade vem do desejo de sempre querer o melhor de mim e, de alguma forma, tentar dar orgulho a ela, onde quer que esteja, além de me espelhar na pessoa que ela foi”, reforça.

Quando passou pela transição de gênero, ela disse que teve o apoio do pai e da avó. Segundo ela, o apoio familiar é importante. “Para tudo que a gente faça, independente do que seja. A família é nosso porto seguro e se a base já tá firme, nada no mundo é capaz de nos abalar”, ressalta.

Carreira da modelo

Foto: Arquivo Pessoal

Kayla decidiu seguir a carreira de modelo durante o ensino médio, após ter contato com a internet e comerciais de TV. Inicialmente, ela se interessou por artes cênicas, mas a moda acabou conquistando seu coração. “Foi então que eu precisei procurar agências em Fortaleza, a capital do Ceará, o lugar mais próximo de onde eu estava vivendo para tentar algo”, conta.

No entanto, ela conta que não foi fácil, pois não tinha o ‘biotipo’ que o mercado do Ceará exigia.

“Até pediram para eu frequentar academia para ficar com o corpo mais musculoso, mas minha genética não ajudou, graças a Deus. Permaneci com o corpo que tenho hoje”, continua.

Um momento marcante em sua carreira foi quando Kayla participou do casting em Fortaleza, após ter sido rejeitada duas vezes anteriormente. Ela desfilou para grandes estilistas e apareceu na capa do jornal impresso da cidade no dia seguinte. “Por incrível que pareça, ainda teve um probleminha na passarela e andei ela quase toda com o salto fora do pé”, relembra.

Durante sua trajetória, Kayla já morou no Maranhão e na Cidade do México. Atualmente, ela reside em São Paulo, onde continua a construir sua carreira na moda.

Mudanças e desafios

Acostumada com o clima quente do Ceará, Kayla enfrentou pela primeira vez o frio de 7 graus em São Paulo, uma mudança que ressaltou ainda mais as transformações que vivenciava. Ao decidir se mudar, trouxe consigo o valor de uma passagem de volta, como um plano de contingência caso as coisas não saíssem como o esperado.

“Também teve o medo do ‘será que vai dar certo’… Quando vim, trouxe o dinheiro da passagem de volta, pois pensei que, se não desse certo, pelo menos eu teria como voltar”, conta.

A chegada de Kayla em São Paulo coincidiu com o início da pandemia de COVID-19, apenas um mês após sua mudança. “Era toda aquela incerteza sobre o que estava acontecendo e como seria. Nisso, a agência pediu para todos os modelos voltarem para suas casas, já que ninguém sabia de nada”, relembra.

Ela descreve esse período como um verdadeiro “filme de terror”, com mercados de prateleiras vazias, pessoas estocando produtos, e o fechamento de aeroportos e rodovias.

Diante dessa situação, Kayla conseguiu retornar ao Ceará em um dos últimos voos antes do fechamento total, evitando ficar isolada em uma cidade desconhecida. Quando voltou a São Paulo, cerca de oito meses após o início da pandemia, o cenário já estava mais calmo, e o apoio de amigas que já residiam na cidade foi fundamental para que ela pudesse retomar sua jornada.

Kayla também enfrenta o preconceito, uma realidade comum para muitas pessoas trans. “É revoltante, mas não tem muito o que fazer além de se blindar e manter a cabeça boa para enfrentar diariamente o preconceito”, afirma.

Ela destaca a importância de olhar para dentro de si e de manter-se segura em sua identidade. “Se você está segura de quem é, do que é, de onde veio e sabe para onde quer ir, pode fazer o que quiser, que isso não vai te abalar tanto”, completa.

Objetivos profissionais

Atualmente, seus maiores sonhos e objetivos profissionais incluem trabalhar para as principais marcas da indústria da moda. “A importância de ser reconhecida no trabalho é fundamental em qualquer área, mas na moda isso se torna ainda mais relevante, pois o reconhecimento abre portas e nos permite alcançar novos espaços”, explica.

As redes sociais desempenharam um papel crucial na trajetória de Kayla, permitindo que ela mostrasse quem é e de onde veio, o que despertou curiosidade e a ajudou a conquistar mais visibilidade. “Sem dúvida, as redes sociais foram um dos pilares mais importantes na minha carreira, ajudando muito a alcançar visibilidade”, destaca.

Além de sua paixão pela moda, Kayla também nutre um lado artístico criativo e está desenvolvendo um projeto para lançar sua própria marca. Recentemente, ela aprendeu a fazer crochê e enxerga nessa habilidade uma oportunidade de negócio.

“Quero ter colaboradoras da minha região, para apoiar e incentivar, já que hoje em dia está cada vez mais difícil encontrar pessoas que façam ou queiram manter essas riquezas da nossa cultura, como o crochê”, conclui.

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Rebecca Moura

Estudante de Jornalismo pela Universidade Federal de Alagoas e colaboradora no portal Eufêmea, conquistou o primeiro lugar no Prêmio Sinturb de Jornalismo em 2021. Em 2024, obteve duas premiações importantes: primeiro lugar na categoria estudante no 2º Prêmio MPAL de Jornalismo e segundo lugar no III Prêmio de Jornalismo Científico José Marques Melo.