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Representatividade: como o reconhecimento racial e indígena transforma a percepção de si mesmas

Foto: Pet Pedagogia

O processo de reconhecimento da identidade racial ou indígena é um caminho marcado por descobertas pessoais, reflexões sobre heranças culturais e enfrentamento de estereótipos. Para muitas mulheres, esse processo envolve não apenas compreender suas raízes e ancestralidade, mas também lidar com preconceitos e desafios sociais que moldam sua percepção de si mesmas e do mundo ao seu redor.

A professora de Química Monyque Alves, de 25 anos, se autodeclara uma mulher negra. No entanto, ela compartilha que o reconhecimento de sua identidade racial ocorreu de forma gradual, começando na infância.

Quando criança, sua mãe e tia trabalhavam em uma associação que ajudava jovens negros a conseguir bolsas de estudo. Mesmo sem saber, esse foi o primeiro passo para seu processo de reconhecimento racial.

Apesar de hoje compreender a importância dessa representatividade enquanto crescia, ela afirma que, naquela época, ainda não tinha consciência sobre sua identidade racial.

“Na escola, eu tinha minhas amigas negras, mas, como éramos muito pequenas, ainda não nos identificávamos como tal”, afirma.

A virada de chave para Monyque começou na adolescência, quando passou a frequentar um curso pré-vestibular voltado para jovens negros de comunidades periféricas. Nesse ambiente, ela participou de discussões sobre a cultura do país e os preconceitos e estigmas profundamente enraizados em nossa história.

“A partir disso, o que já vinha sendo construído desde a minha infância se tornou mais intenso. Eu alisava meu cabelo até os 14 anos, mas, ao entrar nesses núcleos, comecei a entender a importância de assumir meu cabelo como ele é”, relembra.

Vivências como uma mulher negra

Foto: Arquivo Pessoal

Natural de São Paulo, Monyque mora em Maceió há sete anos e iniciou sua carreira como professora na capital alagoana, após se formar na Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Foi também em Maceió que ela começou a ter contato com pessoas de classes sociais mais altas, quando passou a dar aulas particulares.

“Quando comecei a ocupar esses espaços, as coisas começaram a ser um pouco diferentes para mim. Eu era vista de outra maneira. Várias vezes, ao chegar em condomínios de alto padrão para dar aula, fui abordada sem sequer um bom dia, e já questionavam qual serviço eu iria prestar”, relembra.

Em outro momento, a professora recorda que, além de ter sua presença questionada no ambiente de trabalho, também foi questionada quatro vezes pelo porteiro do prédio onde morava se era realmente moradora. “Eu era deixada para fora enquanto ele questionava”, conta.

Essas situações foram esclarecedoras para Monyque entender como era lida pela sociedade como uma mulher negra. “Todos esses pontos foram necessários para que eu começasse a me portar e responder de outra forma, para que entendessem que ali também poderia ser o meu espaço e que eu poderia estar inserida, não apenas como prestadora de serviço”, afirma.

Atualmente, Monyque trabalha em escolas particulares de alto padrão em Maceió, onde observa de perto a discrepância entre a quantidade de alunos negros e brancos nesses espaços. Ela também reconhece a importância de sua representatividade como professora, especialmente para suas alunas.

“Eu acredito que há uma influência da identidade racial dentro da escola, com os adolescentes. Inspirar as meninas a se aceitarem como são, e não da forma que a sociedade espera, é muito importante”, afirma.

Entender a própria identidade

Foto: Arquivo Pessoal

A jornalista e mestranda em Antropologia Social, Jessyka Faustino, destaca a importância da representatividade em diferentes espaços como uma forma de ajudar mulheres a reconhecerem sua identidade racial.

“Tudo que a gente faz, a gente faz vendo, vendo que é possível fazer. Então, se eu olho para a televisão e não me vejo lá, vou entender que também não consigo chegar lá”, afirma a pesquisadora.

Segundo Jessyka, o processo de reconhecimento da identidade para as mulheres é longo, e a falta de representatividade na mídia reflete os ideais herdados do período de escravidão, quando pessoas negras e indígenas eram subjugadas.

“Essa herança da colonização nos faz pensar que tudo que é negro é ruim. A gente começa a criar uma distância, a não querer ser aquilo que a colonização e a branquitude julgam como violento, feio, ruim, ou disponível para violência”, explica.

Ela ressalta que essa visão, perpetuada ao longo dos séculos, leva as mulheres a tentarem se adaptar aos padrões da sociedade para serem aceitas e, ao mesmo tempo, se protegerem de preconceitos e violências ligadas à sua raça.

“É aí que você começa a suavizar o que pode, alisando o cabelo, aprendendo truques de maquiagem para afinar o nariz, entre outras coisas, para ‘resolver’ o que todo mundo julga como errado”, comenta.

Embora tenha havido avanços visíveis na mídia atual, como o destaque das atletas negras Rebeca Andrade e Beatriz Souza nas Olimpíadas de Paris 2024, Jessyka ressalta que ainda há um longo caminho a percorrer.

“Entendo que a demora para as mulheres se reconhecerem negras está nesse apagamento nesses espaços. Enquanto não nos reconhecemos, caminhamos sendo recriadas a partir do que a branquitude define”, enfatiza.

Representação Indígena

Foto: Arquivo Pessoal

“Sempre foi motivo de orgulho para mim crescer sabendo da minha descendência. Sempre estudei e me mantive próxima à cultura do meu povo, e todos os anos contava a história da minha família nas datas que homenageiam o povo indígena”, afirma Alana Amorim, empreendedora que se autodeclara descendente indígena direta.

Ela relembra que a história de sua bisavó e avô, que saíram de sua aldeia no interior de Alagoas em direção a Maceió em busca de melhores condições de estudo, sempre foi contada em sua família. Isso fez com que, desde a infância, Alana conseguisse se reconhecer como parte do povo indígena.

Para Alana, essa representação desde a infância foi essencial para seu processo de reconhecimento. Ela reforça a importância de cargos altos ocupados por grupos minoritários, que servem de inspiração para as novas gerações, permitindo que essas pessoas vejam esses espaços como acessíveis.

Censo 2022

Segundo o Censo 2022, apenas 0,8% da população brasileira se autodeclarou indígena, o que corresponde a cerca de 1,7 milhão de brasileiros. Apesar de ainda ser um número baixo, ele representa um aumento em comparação ao Censo 2010, quando foram registrados 896.917 indígenas.

Alana acredita que um dos fatores que influenciam o baixo registro de pessoas indígenas no Brasil é a falta de representatividade que muitas não têm ao crescer, algo que, para ela, foi fundamental na construção de sua identidade e orgulho por suas origens.

“Minha cultura familiar sempre me incentivou a ter orgulho e a não me esconder, mas nem todo mundo tem essa realidade. Por isso, me sinto motivada a mostrar o quão capazes e especiais nós somos”, afirma.