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“Faz parte da violência psicológica o funcionamento da relação na forma de um ciclo que passa do amor à violência; depois tem o ‘arrependimento’, com momentos de paz, só para ter mais violência em seguida. Esse padrão se repete tanto que é, muitas vezes, ampliado para a violência física e deixa a vítima amedrontada e confusa”, afirma a psicóloga Anna Carolina Guedes.
Segundo a 10ª edição da pesquisa Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, realizada pelo DataSenado em parceria com o Observatório da Mulher Contra a Violência (OMV), 27% das mulheres em Alagoas relataram ter sofrido violência doméstica ou familiar provocada por um homem. Entretanto, entre essas vítimas, 79% afirmam não conviver mais com o agressor e conseguiram romper o ciclo de violência.
A psicóloga explica que um dos motivos que podem explicar a permanência no ciclo é uma repetição de mensagens que alternam entre “amor” e violência, o que destrói progressivamente a autoestima da mulher e, consequentemente, acaba com sua confiança para agir diante da situação.
Padrão em outros relacionamentos
Anna Carolina também afirma que mulheres que sofreram violência doméstica são mais suscetíveis a reviver um relacionamento abusivo com outras pessoas. Isso ocorre porque, após vivenciarem um relacionamento estruturado em violência, acabam adotando esse padrão como familiar. “Ela desenvolve um trauma que a faz se enxergar e agir como merecedora desse tipo de relação e responsável por fazer o agressor mudar”, reforça.
Para que a mulher consiga identificar que está em um ciclo de violência, muitas vezes é necessária ajuda externa para reconhecer essa realidade dolorosa.
“Se a vítima de violência não tiver contato com alguém de fora do relacionamento, ou seja, nenhuma rede de apoio, será extremamente difícil que ela consiga se libertar do ciclo de violência. É exatamente por isso que o isolamento social é uma das primeiras atitudes do agressor”, explica a psicóloga.
Desconhecimento dos direitos
A falta de conhecimento sobre os próprios direitos também contribui para o sentimento de que a vítima está de “mãos atadas” para sair da relação abusiva.
A Lei Maria da Penha oferece diversas medidas protetivas, como ordem de afastamento do agressor, proibição de contato com a vítima, inclusão em programas de proteção, possibilidade de pensão alimentícia e acesso ao programa Patrulha Maria da Penha.
Ela explica que a imagem da burocracia judicial também é um dos obstáculos para que as mulheres procurem ajuda. Esse fator, aliado à falta de treinamento adequado dos profissionais de segurança e justiça, que muitas vezes respondem às denúncias de forma insensível e inadequada, contribui para a sensação de impunidade.
O medo de retaliação por parte do agressor é um dos principais impedimentos. Muitas mulheres temem que buscar proteção possa provocar ainda mais violência. A falta de confiança no sistema de justiça, devido a experiências anteriores de negligência ou revitimização, também aumenta essa relutância.
Dependência financeira
Segundo o DataSenado, entre as mulheres que sofreram violência doméstica ou familiar, 76% relataram ter sido vítimas de violência física. Esse índice varia conforme a renda, revelando uma relação entre condições econômicas e vulnerabilidade à agressão.
Enquanto 64% das vítimas que recebem mais de seis salários mínimos afirmam ter sofrido violência física, o número sobe para 79% entre aquelas com renda de até dois salários mínimos. Esses dados mostram que, quanto menor a renda, maior a probabilidade de as mulheres enfrentarem violência doméstica. “Sem recursos próprios, as mulheres podem sentir que não têm como sustentar a si mesmas e a seus filhos fora do relacionamento abusivo”, diz a advogada.
Ela enfatiza que o sistema jurídico tem o dever de ajudar as mulheres que sofrem violência doméstica e estão em vulnerabilidade social, “oferecendo medidas como pensão alimentícia imediata, acesso a programas de auxílio financeiro e moradia temporária”, ressalta.
A criação de programas de capacitação profissional e inserção no mercado de trabalho e outras políticas públicas que ofereçam suporte contínuo a essas mulheres também são essenciais para que elas reconstruam suas vidas longe dos agressores.