Neste ano, o Brasil celebra pela primeira vez o Dia da Consciência Negra como feriado nacional. A data já era tradicionalmente comemorada, mas foi oficializada após a sanção da Lei 14.759/2023 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Para os movimentos negros, este dia é marcado por reflexão, conscientização e comemoração. Por ser a primeira vez que o feriado é reconhecido nacionalmente, sua oficialização também gera impactos diretos na legislação trabalhista e as empresas que descumprirem podem ser penalizadas.
Ao Eufêmea, Jeysilla Iandza Nascimento, advogada e integrante da Comissão de Promoção da Igualdade Racial, afirmou que o feriado é tanto um motivo de comemoração quanto de conscientização.
De acordo com a advogada, além de seu simbolismo histórico, a oficialização do feriado também traz impactos diretos à legislação trabalhista. Ela explica que, assim como qualquer outro feriado, o Dia da Consciência Negra é um dia de descanso remunerado para os trabalhadores.
“As empresas devem conceder a folga aos empregados, salvo exceções previstas em acordos ou convenções coletivas. Caso o trabalhador precise atuar no feriado, ele deve ser compensado com pagamento em dobro ou com outra folga,” esclarece.
Ainda de acordo com Jeysilla, a regra se aplica a todas as modalidades de trabalho, incluindo trabalhadores temporários e intermitentes. Ela alerta os funcionários sobre os possíveis prejuízos em caso de descumprimento.
“Empresas que operam normalmente sem oferecer a dívida compensação estão sujeitas a multas e enfrentam ações judiciais por danos materiais e morais. O desrespeito ao feriado, especialmente considerando o significado que ele carrega na luta contra o racismo, pode trazer impactos negativos tanto para a gestão quanto para o ambiente de trabalho”, ressalta.
“Lideranças negras foram apagadas e silenciadas”
“Reconhecer Zumbi como uma grande liderança é significativo porque, no cenário nacional, as lideranças negras que lutaram pela liberdade foram historicamente apagadas e silenciadas. […] Nos últimos tempos, começamos a perceber o quanto essas figuras são representativas. O reconhecimento de Zumbi como uma liderança emblemática é um passo importante”, afirma Mariana Marques, historiadora, restauradora e membra do INEG/AL Instituto Negro de Alagoas e membra da Comissão de Equidade Racial do TJ/Alagoas.
A historiadora destacou que o impacto do feriado na luta da comunidade negra ainda é limitado, uma vez que a igualdade racial no Brasil envolve questões que a população negra ainda não conseguiu alcançar. Ela citou, como exemplo, uma luta constante pela implementação de cotas.
Para Mariana, a luta pela igualdade racial no Brasil está diretamente ligada à criação e implementação de políticas públicas que asseguram a inclusão da população negra em espaços historicamente negados.
“Criar um feriado é importante do ponto de vista simbólico, mas não substitui a necessidade de políticas públicas efetivas. Essas ações são essenciais para que a população negra possa acessar instâncias educacionais, trabalhistas e de poder que ainda são amplamente negadas”, ressalta.
Representatividade Política
Embora Alagoas seja reconhecida como a terra de Zumbi dos Palmares e do Quilombo dos Palmares, Mariana acredita que o estado ainda está longe de se tornar referência na luta racial.
“Estamos à frente de alguns estados, mas muito atrás de outros. Alagoas não reconhece plenamente a importância de ter sido o palco de uma das maiores resistências negras da história do país. Isso se reflete na ausência de lideranças negras nos espaços de poder, na falta de investimentos públicos voltados para a cultura negra e na permanência de estruturas políticas controladas por elites brancas que perpetuam desigualdades históricas”, avalia a historiadora.
Com a oficialização da data como feriado nacional, questões como a representatividade política ganham destaque. Segundo Mariana, a presença de políticos negros em Alagoas é mínima, o que revela uma desconexão preocupante entre o estado e sua própria história.
“Falar de Zumbi dos Palmares fora de Alagoas é algo valorizado, mas aqui, onde ele viveu e liderou, não vemos lideranças negras ocupando espaços de poder. Isso é uma evidência clara de um problema estrutural”, afirma.
Ela enfatiza que, embora importante, um feriado não será suficiente para conscientizar a sociedade sobre a relevância da luta da população negra.