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Durante o Carnaval de 2023, Diana Maria Justino de Souza, 25 anos, encontrou três jovens travestis vivendo na praça Sinimbu, em Maceió. O diálogo foi natural, como se já fossem conhecidas, e Diana percebeu quantos paralelos existiam entre as trajetórias delas e a sua. Naquela mesma noite, decidiu que seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) seria sobre travestis em situação de rua. Um ano depois, tornou-se a primeira mulher trans travesti a se formar em Jornalismo pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal).
Quem é Diana?
Nascida em Arapiraca, Diana se mudou para Maceió em 2018, aos 18 anos, para cursar Jornalismo. Inicialmente, morou com duas tias que forneciam o básico, mas foi o esforço de sua mãe, que enviava R$ 200 mensais, que garantiu o mínimo necessário. “Esse valor era o suficiente para carregar o cartão de ônibus e ir todos os dias para a UFAL”, recorda Diana.
Após a pandemia, ela enfrentou uma mudança significativa: começou o processo de adequação de gênero. “Saí da casa das minhas tias e passei a dividir um lar com um amigo muito próximo. Foi então que iniciei a terapia hormonal, recebendo apoio familiar apenas da minha mãe”, relata.
Outro obstáculo enfrentado por Diana foi educar as pessoas ao seu redor sobre como se referir a ela corretamente. “Sempre fui uma mulher que impunha muito respeito, então não enfrentei casos graves de discriminação. No entanto, precisei orientar como deveriam me tratar e como se dirigir a mim”, conta.
Em 2021, Diana já havia retificado seus documentos e iniciado o processo de mudança de nome na UFAL, mas o caminho foi árduo. “Esse momento evidenciou que a UFAL precisa oferecer mais acessibilidade e informações para pessoas que necessitam realizar esse tipo de procedimento ou usar o nome social”, critica.
Quem sou eu, Sinimbu?
Diana conta que, para mergulhar na realidade da praça Sinimbu, passou a dividir seu tempo entre o trabalho, as tarefas domésticas e as aulas. Durante três meses, ela dormiu no local, convivendo com quem vivia por lá. A convivência estreitou laços, permitindo que ela iniciasse suas pesquisas, conduzisse entrevistas e mapeasse a situação, criando as bases do trabalho que viria a produzir.
“Uma das dificuldades foi enfrentar o frio da noite, mesmo antes do inverno, quando as condições climáticas ficam ainda mais difíceis. Por isso, era comum recorrer à pitú e outras cachaças como uma forma de amenizar o frio”, explica Diana.
O resultado do trabalho foi um ensaio jornalístico, nomeado intitulado Quem sou eu, Sinimbu?, baseado no jornalismo literário como forma de humanizar essas pessoas e contribuir para a quebra dos estigmas e da marginalização social.
“Além de autora, jornalista, pesquisadora, eu me tornei personagem do projeto. Construí muitos laços, com pessoas que ainda mantenho contato hoje, quando eu voltar à praça sei que serei bem recebida novamente”, conta.
Educação como ferramenta de transformação
Apesar de ser a primeira mulher travesti e negra a se formar em jornalismo na UFAL, Diana ainda vê um retrocesso no contexto das mulheres trans e travestis.
Ela ressalta que seu caso evidencia a triste realidade de uma minoria: pessoas trans que conseguem alcançar o ensino superior no Brasil.
“Vivemos em um país transfóbico, onde nossas vidas são constantemente ameaçadas. No entanto, essa conquista tem um grande significado pessoal, e espero que inspire outras pessoas também”, diz.
“Quero atuar na área acadêmica”
E, para o futuro, Diana já traçou alguns planos: iniciar um Mestrado em 2025 e, mais adiante, o Doutorado. “Meu sonho é atuar na área acadêmica, ser uma travesti negra, professora, doutora de alguma universidade federal no Brasil”, afirma.
No entanto, Diana reconhece os desafios adicionais que mulheres trans e travestis enfrentam em um mercado de trabalho já restrito, especialmente na área de comunicação em Alagoas. “Durante a graduação, a busca por empregos e estágios foi muito difícil. Participava de entrevistas, mas nunca era selecionada. Acredito que minha identidade de gênero influenciava nessas decisões”, diz.
A jornalista reforça que seu papel social vai além da conclusão da graduação. “Eu concluí meu projeto, minha graduação, mas minha responsabilidade enquanto mulher travesti, negra e jornalista é maior. Quero transformar meu trabalho em um livro e continuar contribuindo para melhorar a vida dessa população”, finaliza.