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Artista visual, ela participou de projeto para retratar Nise da Silveira em um dos maiores murais de São Paulo

(Tempo de leitura: 5 minutos)

Crédito da Foto: Laryssa Andrade

“Tive o desafio de ser uma das pouquíssimas mulheres criando arte de rua em Maceió. Percebi muito preconceito e sofri diversas abordagens policiais. Era constantemente chamada de vagabunda nas ruas enquanto pintava, mesmo quando realizava trabalhos comerciais”, diz a artista visual e ilustradora Nathalia Ursa.

“Ursa Maior” é uma das maiores e mais reconhecidas constelações do hemisfério celestial norte – e também o nome artístico de Nathalia. Nascida em Mato Grosso, ela vive em Alagoas há mais de 20 anos. Foi em Maceió que começou a dar cores à sua imaginação.

Nise da Silveira e Ursa

Em janeiro, a artista visual participou de um dos maiores projetos de sua trajetória: a pintura de um mural em homenagem à psiquiatra Nise da Silveira, alagoana que revolucionou a saúde mental no Brasil. A obra, realizada em parceria com uma equipe de quatro artistas, estampa um prédio de 20 andares e 66 metros de altura na Avenida Duque de Caxias, no centro de São Paulo.

O graffiti intitulado “O Navegar de Nise” retrata a psiquiatra Nise da Silveira ao lado de elementos inspirados nas criações e visões de seus pacientes. A obra também incorpora um trecho marcante de uma de suas falas: “Gente curada demais é chata. Todo mundo tem um pouco de loucura.”

Foto: @tu_nasaltura

A escolha dessa citação foi intencional. Segundo a artista Ursa, a frase reflete uma observação que tem sobre a sociedade atual: “Alguns grupos sociais tentam passar uma imagem sólida de bem-estar e de ‘sucesso’ o tempo todo, principalmente nas redes sociais”. Para ela, essa falsa realidade pode gerar insegurança, ansiedade e medo em quem não se sente encaixado nos padrões de comportamento socialmente aceitos e celebrados.

Além do impacto da mensagem, a localização do mural também carrega um forte significado. A obra foi instalada em uma região central de São Paulo, próxima à chamada “cracolândia”, onde muitas pessoas em situação de vulnerabilidade, incluindo aquelas com transtornos mentais e dependência química, circulam diariamente. Segundo a artista, esse contexto torna o painel ainda mais relevante, pois evidencia a marginalização de indivíduos que são frequentemente ignorados ou violentados no cotidiano.

Ursa descreve a experiência como um verdadeiro mix de emoções – ao mesmo tempo em que se sentiu segura ao trabalhar com uma equipe experiente em altura e extremamente solícita, também precisou enfrentar medos e inseguranças ao lidar com a grandiosidade do projeto.

A produção foi realizada pela produtora Parede Viva e contou com a assistência dos artistas Iskor, Loss, Negana e Bea Corradi. O projeto foi viabilizado por meio de recursos financeiros do Projeto MAR – Museu de Arte de Rua (Edital nº 03/SMC/2023) da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo.

Cenário da Arte Urbana

Crédito da foto: Isabela Barbosa

Ao Eufêmea, Nathalia Ursa relata que, em Maceió, ainda percebe surpresa por parte da sociedade ao ver uma mulher produzindo graffiti. No entanto, à medida que mais artistas locais ganham destaque, essa percepção tem mudado. “O preconceito que percebia nas ruas em 2011 era muito maior do que o pouco que observo hoje”, diz.

Apesar dos avanços, a artista ressalta que o cenário nacional da arte urbana ainda é majoritariamente masculino e que o machismo persiste nos eventos de graffiti. “Em alguns eventos mistos de graffiti, até hoje, sinto invisibilidade por ser mulher. O espaço que nos dão para pintar costuma ser menor, e o tratamento, inferior. Alguns eventos estão começando a mudar essa dinâmica recentemente”, expõe.

Ela também destaca as barreiras impostas às mulheres no mercado da arte urbana e como determinados perfis são mais aceitos e valorizados.

“Percebo que, em qualquer lugar, se você é homem, tem certo poder socioeconômico, é branco, heterossexual, isento de posicionamento político e performa sua vida dessa forma nas redes sociais, será mais aceito e procurado por clientes de grande poder aquisitivo”, observa.

Desvalorização profissional

Para a artista Ursa, a valorização da arte urbana ainda enfrenta desafios, especialmente no reconhecimento da trajetória e do investimento que os artistas visuais urbanos precisam fazer para aprimorar suas técnicas. “As instituições não compreendem o tempo de estudo e dedicação necessários para se tornar um bom profissional. Não entendem que devemos ser valorizados e que a arte urbana gera uma profissão e sustenta famílias”, critica.

Além da desvalorização, grafitar nas ruas envolve riscos, principalmente em relação à segurança. Para minimizar esses desafios, Ursa tem buscado muros de terrenos sem função social, ruínas ou locais abandonados para desenvolver suas obras. Quando não encontra, solicita autorização para pintar no espaço desejado. “Lido assim: o ‘não’ eu já tenho, mas lembro que já consegui muitos ‘sim’, e isso me inspira”, compartilha.

Ela também destaca a contradição legal em torno do graffiti. “O graffiti é arte, mas, de acordo com a lei, é crime quando feito em propriedades sem autorização.” Ursa defende que a legislação deveria permitir expressões artísticas sem necessidade de autorização prévia em espaços sem função social, como forma de incentivar a arte urbana e estimular a revitalização das cidades.

Resiliência diante dos obstáculos

Quando questionada sobre outra obra que tenha marcado sua trajetória, Ursa menciona “Pedreira”, um quadro que pintou em 2022 e que integrou a coleção Liberdades. Para a artista, essa criação simboliza resiliência e persistência diante dos desafios enfrentados ao longo da carreira.

A obra nasceu de sua mostra individual, composta por 14 trabalhos, que retrataram mulheres em atividades onde frequentemente são desacreditadas ou desvalorizadas pela sociedade.

“Esse quadro representa muitas coisas positivas que venho construindo ao longo da vida – a resiliência diante dos obstáculos e a força de várias mulheres que conheço. Ele está na minha sala e me inspira diariamente!”, conclui.

Foto de Rebecca Moura

Rebecca Moura

Estudante de Jornalismo pela Universidade Federal de Alagoas e colaboradora no portal Eufêmea, conquistou o primeiro lugar no Prêmio Sinturb de Jornalismo em 2021. Em 2024, obteve duas premiações importantes: primeiro lugar na categoria estudante no 2º Prêmio MPAL de Jornalismo e segundo lugar no III Prêmio de Jornalismo Científico José Marques Melo.