A Câmara Municipal de Maceió aprovou, nesta quinta-feira (9), um projeto que prevê a obrigação de todos os estabelecimentos da rede municipal de saúde a orientarem pacientes sobre “riscos e consequências” sobre o aborto legal. Para especialistas ouvidas pelo Eufêmea, o projeto é inconstitucional e pode ser comparado a ‘tortura’ para meninas e mulheres.
O projeto é de autoria do vereador Leonardo Dias (PL). A matéria foi apoiada pelo Movimento Pró-Vida. Agora, a lei aprovada será enviada ao prefeito JHC, podendo ser vetada ou sancionada.
Na justificativa, o vereador disse que o projeto é para que a mulher tenha dimensão do ato que vai fazer. “Isso só ocorrerá para aquelas que estão acobertadas pela lei”. E complementa: “Seja para a própria saúde mental e física, ou para o próprio procedimento. E não há nenhuma anomalia nisso. Porque quando vamos fazer uma cirurgia também somos orientados sobre o método utilizado, se é por vídeo ou tradicional, os procedimentos, possibilidades e prognósticos da recuperação”.
Entenda o projeto
O Eufêmea teve acesso ao projeto de lei que diz que “as equipes multiprofissionais devem atuar, previamente, prestando esclarecimentos e conscientizando as gestantes e os seus familiares sobre os riscos do procedimento e suas consequências físicas e psicológicas na saúde da mulher”.
Ainda de acordo com o projeto, a equipe deve apresentar, de forma detalhada e didática, inclusive, de ilustrações, o desenvolvimento do feto semana a semana. E “demonstrar, por meio de vídeos e imagens, os métodos cirúrgicos utilizados para executar o procedimento abortivo, sendo eles: a aspiração intrauterina; a curetagem uterina e o abortamento farmacológico.”
Além disso, o projeto pede para que seja informado às gestantes e familiares sobre a possibilidade da ação pós-parto e apresentar os programas de adoção que acolhem recém-nascidos.
Vereadora saiu da sessão
A vereadora Teca Nelma, contrária a lei, disse que o projeto estava parado desde o ano passado na Comissão de Constituição, Justiça e Redação Final. “Eu fui contra a matéria porque ela é inconstitucional. Eu só posso mexer no SUS no âmbito nacional”.
À reportagem, Teca contou que no dia 13 de dezembro ela pediu vistas da matéria que foi enviada para a Procuradoria da Casa. “No dia 16 saiu o relatório que o projeto era inconstitucional”.
Segundo Teca, a matéria não deveria ter entrado na pauta de hoje. “Foi um processo atropelado por questões políticas e formado por uma bancada conservadora”.
Ao saber que a matéria havia entrado na pauta do dia, a vereadora saiu da sessão. “Eu não quis participar disso”, disse ao Eufêmea.
Médica diz que lei é tortura
Marília Magalhães, médica residente de medicina de família e comunidade, explicou que como em qualquer procedimento médico, as pacientes em caso de aborto legal, são orientadas pela equipe médica, bem como assinam termo de consentimento livre e esclarecido.
A médica esclarece que se formos pensar em riscos, é cientificamente comprovado que o aborto seguro tem 14 vezes menos chances de complicações que o parto propriamente dito.
“Não há na literatura, por exemplo, nenhum relato de teratogenia no aborto medicamentoso, como muito se falava no passado”, explicou.
Segundo a médica, a lei proposta pelo vereador revitimiza meninas e mulheres que, até chegarem ao direito do aborto legal, já passaram por diversos processos físicos e psicológicos.
A médica também pontua que “toda menina menor de 14 anos que engravide, tenha a relação sido ou não consentida, se enquadra como estupro de vulnerável”.
“E assim, por lei, teria direito ao aborto legal. Além disso, é científico dizer que uma gravidez na adolescência impõe muito mais riscos à menina do que a interrupção da gestação em tempo”, reforça.
Projeto é inconstitucional, diz advogada
A advogada Andrea Alfama ressaltou que o projeto é inconstitucional. “É uma tortura. E traz a revitimização de mulheres que já se encontram em situação de vulnerabilidade do ponto de vista físico e emocional por ter que recorrer ao aborto legal, que diga-se de passagem, é procedimento assegurado no ordenamento jurídico brasileiro, nas situações previstas em lei”, disse.
A advogada disse que a lei é uma forma de pressionar as mulheres que tem direito de recorrer ao aborto legal para que desistam. “Qual o intuito de esmiuçar detalhes de procedimento cirúrgico senão praticar violência psicológica e impor medo para que a mulher desista?”, questiona.
Do ponto de vista jurídico, Andrea disse que a Câmara de Vereadores de Maceió não dispõe de competência para legislar sobre essa matéria.
“A institucionalização de tal prática afronta diretamente a dignidade da pessoa humana. O estado não pode permitir que práticas atentatórias à dignidade humana sejam institucionalizadas. É um contrassenso. É um projeto bizarro, aprovado unicamente com o objetivo de impor uma mais uma forma grave de violência contra as mulheres. Tanto é, que da forma que esta lei foi aprovada, ela acaba se configurando como uma afronta direta à Lei nº 12.845/2013 (Lei do Minuto Seguinte) que garante à mulher atendimento humanizado e obrigatório em situações de violência sexual”, explica.
Para ela, a lei é um retrocesso. “Afronta diretamente a dignidade da mulher, ajuda a perpetuar práticas violentas, misóginas e que contrariam a dignidade humana”.
Mas ela diz acreditar no movimento feminista em Alagoas e nas organizações que atuam pelos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. “Sei que elas irão até as últimas consequências do ponto de vista legal para barrar essa atrocidade”.
Aborto no Brasil
Atualmente, as únicas exceções previstas na lei para o aborto no Brasil são em três casos. Confira a imagem abaixo