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“Doloroso e constrangedor”: Advogadas relatam casos de violência de gênero no exercício da profissão

(Matéria atualizada às 10h para que uma nova nota da OAB fosse inserida)

Seja através de constrangimento, assédio ou ataques, cerca de 80,6% das advogadas já se sentiram ameaçadas no exercício da profissão em razão do seu gênero ou de suas clientes. Em 90,4% dos casos, a violência foi praticada por homens.

O levantamento foi realizado através de um estudo conduzido pelo Grupo de Pesquisa Carmin Feminismo Jurídico, da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Alagoas.

É o caso da advogada Marcia Acioly. Ao Eufêmea, ela relata que sofreu violência de gênero em 2018, quando era candidata à disputa pela presidência da subseção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Arapiraca.

Foto: Cortesia
“Passa o rodo geral”

Em uma conversa via Instagram com uma bacharela em Direito, seu oponente da disputa teria dito palavras ofensivas à honra de Márcia e de cunho discriminatório. Conforme a denúncia, ela só ficou sabendo do ocorrido dois meses após a troca de mensagens porque a própria mulher que conversou com seu oponente resolveu comunicá-la do fato.

O candidato à reeleição teria começado a falar mal de Márcia e dito que seria complicado disputar a eleição porque ela usava “armas de outro nível”, era “da ação”, “passa o rodo geral”, “foi homem ela pega”.

“Ele dizia que eu passava o rodo geral. Estava fazendo isso pra ter voto, era algo que as pessoas diziam que ele falava entre o grupo. Procurava me desqualificar dessa maneira”, relata a advogada.

Denúncia

Ainda conforme os dados da pesquisa, 73,5% das vítimas não denunciaram a violência que sofreram e, dessas, 58,9% afirmam que se mantiveram em silêncio porque têm certeza da impunidade do agressor.

Após ler as mensagens, Marcia Acioly decidiu realizar o TCO [Termo circunstanciado de ocorrência] contra seu oponente, no entanto, ela relata que a decisão não foi fácil por estar vulnerável e exposta. “Tudo era muito desfavorável para mim naquele momento. Mas eu decidi fazer o TCO porque eu estava em um momento de muito trabalho em defesa da mulher em situação de violência. Para mim foi uma obrigação moral fazer”.

A advogada relata ainda que mesmo após a divulgação das mensagens, colegas de trabalho duvidaram do caso e levantaram a possibilidade das mensagens serem montagens e falsas.

“Quando saíram as divulgações nos grupos uma boa parte das minhas colegas advogadas disseram que aquilo podia ser uma montagem. É interessante que não foram os homens, foram as mulheres que duvidaram”.

Falta de apoio e constrangimento

O estudo da Ufal apontou que 87,9% das entrevistadas acreditam que a OAB não prioriza a proteção das advogadas contra a violência de gênero no exercício da profissão.

Acioly conta que quando a chapa liderada pelo advogado venceu as eleições, ela sentiu o peso emocional de prosseguir com o processo. A advogada relata ainda que, na época, não recebeu apoio da OAB e houve constrangimento da comissão eleitoral, que na época duvidou do ocorrido.

“Ninguém, nem local, nem estadual, nem federal, nenhuma pessoa. Não. Não teve. A gente tinha uma presidente mulher na seccional e eu senti essa falta. Senti mesmo”.

“Pelo contrário, eu fui constrangida porque me ligaram para saber se eu realmente tinha certeza que aquilo tinha acontecido, se eu tinha prestado atenção, se eu tinha lido a história completa”.

Decisão

O juiz fixou uma pena de detenção de 3 meses e 11 dias mais 11 dias-multa, sendo o valor de um salário mínimo para cada dia. No entanto, o envolvido apelou e o recurso ainda não foi pautado para julgamento.

“Para mim já foi muito importante para mostrar aquelas pessoas que no primeiro momento disseram que eu estava criando uma situação e fazendo montagem. Até hoje o processo administrativo está parado, desde julho do ano passado. Ainda não teve uma solução, ele não compareceu à primeira audiência de conciliação”, expõe.

“É doloroso, é constrangedor, às vezes a gente acha que se não colocar a situação para frente vai passar mais rápido. É como se a gente não quisesse que aquilo ficasse machucando a gente por tanto tempo. Eu não desisti”, finaliza.

Constrangida e frágil
Foto: Cortesia

Foi assim que a advogada criminalista Mayara Heloise se sentiu em uma audiência onde todos os advogados, magistrado, promotores, réus e funcionários eram homens. O caso aconteceu em seu segundo ano de advocacia, quando iniciava em processos criminais e foi atuar em uma audiência com cerca de dez réus.

Ela relata que ao iniciar a oitiva das testemunhas, os advogados realizaram as perguntas com continuidade, mas no momento em que Mayara estava com a palavra foi constantemente interrompida pelo juiz e advogados.

“Após isso a testemunha começou a me tratar com deboche e desdém. Já que as perguntas que fiz implicavam em seu comprometimento por conhecer o meu cliente pessoalmente e existir uma rivalidade”, conta.

“Precisei imediatamente me posicionar e perguntei ao juiz se ele teria algum problema comigo, já que estava tentando me ensinar a fazer meu trabalho ou de alguma forma me achando incapaz, enquanto todos os advogados fizeram suas perguntas sem qualquer interferência”, continua.

“Questão de gênero”

De acordo com a advogada, após sua indagação iniciou-se um momento de constrangimento. Já o juiz, não soube responder o questionamento e pediu que a advogada continuasse.

Mayara concluiu sem interrupções e ao final da audiência o magistrado pediu desculpas e definiu a advogada como “braba”. “Constrangida. Frágil. Não tive apoio dos outros colegas. Não entenderam a situação ou não viram como eu vi”, lamenta.

Ela expõe ainda que ajudou orientando um dos advogados novatos presentes na audiência, que não juntou procuração e esqueceu de pedir prazo. “Mesmo assim não teve o tratamento que eu tive. Então não foi só a idade aparente. Era simplesmente uma questão de gênero. Me colocar em um espaço mais frágil, ou menos capaz de estar naquele ambiente masculino”, conclui.

O que diz a OAB?

À reportagem a presidente da Comissão da Mulher Advogada, Rachel Ramalho, reforça que a Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Alagoas não tolera qualquer tipo de abuso, e que qualquer caso denunciado será acompanhado de perto pela Comissão.

Além disso, a OAB Alagoas criou, no ano passado, a Ouvidoria da Mulher, um canal de denúncias para as advogadas e para a sociedade. Tanto as Comissões da Mulher Advogada e Especial da Mulher, quanto a Ouvidoria da Mulher foram criadas para ter esse acompanhamento e olhar cuidadoso com a mulher vítima de violência. No entanto, não existem registros formais de casos de violência contra mulheres advogadas, pela Ordem. Ainda assim, a OAB desenvolve uma ação permanente: a Campanha de Combate ao Assédio.

Além disso, a OAB reforça que integrantes da Comissão da Mulher Advogada têm percorrido órgãos públicos, promovendo a conscientização sobre o tema e falando dos canais de denúncias.

Em 2022 também foi lançada uma cartilha sobre assédio pela OAB, e que está disponível no site: https://www.oab-al.org.br/app/uploads/2022/07/Cartilha-1.pdf

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Rebecca Moura

Estudante de Jornalismo pela Universidade Federal de Alagoas e colaboradora no portal Eufêmea, conquistou o primeiro lugar no Prêmio Sinturb de Jornalismo em 2021. Em 2024, obteve duas premiações importantes: primeiro lugar na categoria estudante no 2º Prêmio MPAL de Jornalismo e segundo lugar no III Prêmio de Jornalismo Científico José Marques Melo.