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Mãe, por favor, não se culpe!

Você já deve ter escutado o ditado popular “nasce uma mãe, nasce uma culpa”. A frase, que não raramente é proferida também por mulheres, é mais uma daquelas violências que, silenciosamente, vão sendo reproduzidas de geração a geração. Mas, que, felizmente, tem sofrido desgaste, dadas as boas indagações e reflexões atuais, que, aos poucos, vêm reduzindo a força do coro coletivo.

Isso, sem falar no enorme equívoco que, de pronto, já é possível perceber quando se supõe que uma mãe nasce, assim, num piscar de olhos, a partir da mágica que supostamente – creem muitos – envolve a maternidade. Ou, melhor, maternidades. Sim. Com S. E muito em breve falaremos mais a respeito.

É que não existe isso de ser mãe, nascer mãe, virar mãe. Mãe é processo. É coisa que se constrói; que como toda e qualquer experiência que mobiliza afetos inomináveis, carece de tempo para elaboração. No decorrer do caminho, por mais cursos, palestras, livros, artigos, “conselhos” que você tenha acessado, o tornar-se mãe dependerá bem mais do que você e o seu filho vão vivenciar juntos, dia após dia, nessa caminhada.

Caminhada, essa, que pode até ter algum ponto de partida, mas jamais um de chegada. Jamais uma estrada linear. Jamais um modo de fazer. Um roteiro a seguir. Um certo ou um errado. Por isso, o S; por isso, maternidades. Cada uma, com as suas singularidades, experimentará a maternidade de forma única. Sem fórmulas. Sem um tem que ser.

– Mas você também já deve saber que há gente especialista no assunto – e aqui não me refiro às pessoas que, pela profissão, se dedicam a estudar os eventos, atravessamentos, desafios das maternidades. Falo daquelas que, geralmente, convivem com você – amigos, familiares, colegas, a moça que passa por você na rua… enfim. Tem gente para tudo que é lado, gente “sabida”, que sempre diz a você o que é melhor, o que deve ser feito, como deve ser feito, quando o assunto é a maternidade que você e o seu filho estão a construir.

E qual seria a base que sustenta a teoria dessas pessoas? As vozes que povoam as suas mentes? As suas experiências pessoais – por vezes, capengas, cheias de buracos pelo caminho – e que, curiosamente, têm o poder de, ainda assim, fazer você questionar a si mesma, duvidando se é, ou não, uma “mãe suficientemente boa”?

(Não há intenção aqui de trazer respostas. A ideia é provocar reflexões, trazer ainda mais perguntas, abrir espaços para outras possibilidades).

Por que se acredita tanto no que dizem por aí sobre o que se passa com a gente por aqui (dentro de nós)? Por que a palavra das outras pessoas tem o poder de fazer você duvidar do que somente você sabe que está lhe atravessando?

É natural que haja medo. É natural que, com a falta de respostas prontas, de um manual a ser seguido, a mãe se sinta insegura. E isso não quer dizer que não seja possível, ou até mesmo importante, fazer uso de uma (boa) rede de apoio para auxiliar você nesse processo.

E quando destaco boa, quero dizer que é devido o cuidado de fazer uma seleção do que se escuta, de quem se escuta. Para além dos cuidados básicos, do manejo com o corpo – alimentação, higiene -, importa considerar que o maior desafio envolve as trocas mais subjetivas. E, como o nome sugere, não estará em um “conselho” de uma outra pessoa o que é melhor para você, na relação que você estabelece com o seu filho.

Está em você. Escutar-se é o caminho. E se você tem dificuldade de escutar a sua própria voz, deixo aqui o convite para que você experimente uma sessão de psicoterapia ou de análise, com um profissional devidamente habilitado (ética, técnica e humanamente) para lhe auxiliar nesse processo.

Talvez, enfim, a “culpa” que dizem “nascer” com a sua maternidade, vá dando lugar a outros afetos. Talvez você entenda e acolha a ideia de que você vai falhar. Vai errar. E, na melhor das hipóteses, não vai dar ao filho tudo o que ele deseja. E essa é a mesma realidade com a qual, lá fora, no mundo, ele vai se deparar. Para a qual ele estará, em alguma medida, minimamente preparado. E, quem sabe, seja disso que ele mais precise. Seja isso que o livre da insuportável angústia da não plenitude humana.

Isso lhe faz sentir-se culpada? Dar o que o seu filho precisa, de fato, receber?

Saliento que dar, sem o medo de faltar, não quer dizer que mãe terá de ser má, faltosa ao ponto de parecer não “ligar”; uma mãe que abandona, rejeita, não oferta colo ou carinho. Em absoluto.

Nesse sentido, cabe evocar, agora destrinchando melhor, o conceito de “mãe suficientemente boa”, anunciado pelo pediatra e psicanalista Donald Winnicott, que nos releva que essa mãe está longe de ser a mãe perfeita. Dela não se espera, nem se recomenda, a suposta capacidade de atender a todas as demandas de um filho. Ora, se é por meio das faltas que vamos nos constituindo enquanto seres no mundo; se é pela não completude que aprendemos a desejar e, por isso, nos movimentamos em busca de outras e outras experiências, fato é que a mãe não pode registrar em nós a ideia de que o mundo gira em torno desse filho-rei.

A “mãe suficientemente boa” é, ao mesmo tempo, aquela que acolhe, que cuida, que ama… e, também aquela que consegue reconhecer sua ambivalência, que sabe que há amor, mas isso não significa dizer que não haverá raiva, cansaço, frustração. É aquela que entrega o que pode, quando pode, da maneira que pode, com os recursos que tem, da melhor forma que se lhe apresenta, e sabe que não há muito além a ser feito, a não ser sustentar o não perfeito de si mesma. É uma mãe que, humana, apesar da sua incompletude, vai ensinar, por isso mesmo, ao seu filho, que ele também o é – humano. E que, portanto, não precisa ser perfeito para ser amado.

E, lá na frente, esse ser que, hoje, em desenvolvimento, que suficientemente amado e cuidado, e suficientemente ciente dos seus limites, feitos os de sua mãe, seguirá caminhando com suas próprias pernas, ciente de que suas falhas vêm em decorrência da condição natural humana; ciente de que não precisa atender a uma expectativa inatingível imposta pela sociedade que espera (em que pese não entregue esse resultado a ninguém) que ele seja alguém plenamente realizado, feliz, logo, completo.

Isso, sim, é ser suficientemente boa. E não há espaço no banco das “culpadas” para as mães que desempenham esse papel.

Lavínia Lins

E de onde vem a culpa materna?

É culturalmente naturalizada a compreensão de que a responsabilidade pelos cuidados com os filhos é da mãe; e ela vem do fato de que a mulher não tinha um lugar na sociedade, e muito menos havia reconhecimento de seus direitos.

A família, ao longo da história, teve funções variadas. A ela foram atribuídos papeis religiosos, políticos, econômicos, e de procriação. Sua estrutura patriarcal legitimava o exercício dos poderes masculinos sobre a mulher.

Nesse contexto sócio-jurídico, o cuidar passou a ser compreendido como algo inerente à mulher, de modo que o feminino se estruturou nesta ideia de responsabilização da mulher pelos cuidados com a casa e os filhos.

E se é algo inerente, por que deveria ser questionado? É neste cenário, então, que se engendra por muitos anos esse modelo de família; sem que haja questionamentos.

A mãe é o abrigo, é quem dá a vida, o alimento, o corpo, o colo; é a biologia nos formatando para cumprir este papel… mas ele é absoluta e exclusivamente nosso?

Todos esses fatores contribuem para que a mãe caia na armadilha da culpa, na qual ela muitas das vezes é aprisionada.

É necessário entender que as expectativas socialmente criadas são inatingíveis, e talvez até incoerentes com os próprios valores da mãe, de modo que é impossível se adequar.

O paradigma da boa mãe nos faz sentir confusas, com medo, inferiores; o que afeta nossa saúde física e mental, bem como a nossa própria capacidade de sermos a mãe suficientemente boa para os nossos filhos.

No plano jurídico, a família patriarcal, que a legislação civil adotou como modelo até boa parte do século XX, entrou em crise, e teve sua derrocada com a Constituição Federal de 1988, que estabelece a igualdade entre homem e mulher, a paternidade responsável, a solidariedade.

Novos direitos surgiram e estão a surgir, há uma maior preocupação com cada membro da família, há um novo olhar acerca das funções parentais; todos são chamados à responsabilidade. À mulher é garantido o seu papel na sociedade, e enquanto sujeito de direitos.

E é na medida em que esses novos papéis passam a ser exercidos, que a mulher passa a ser ainda mais cobrada, como se houvesse deixado de lado aquele que a ela seria inerente.

Evitar a romantização materna, acabar com o mito de que é fácil, de que a mulher está pronta, de que a responsabilidade pelo cuidar é exclusivamente sua; naturalizar, portanto, a divisão de responsabilidades (que, inclusive, se trata de obrigação legal), são movimentos importantes para libertar as mães do aprisionamento da culpa.

Mães emocionalmente saudáveis conseguem construir relações profundas e igualmente saudáveis com seus filhos.

Ana Carolina Trindade

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Ana Carolina Trindade e Lavínia Lins

Ana Carolina Trindade é advogada, especialista em Direito e Família e Sucessões. Graduada e Mestre em Direito pela UFAL. Também é professora e Doutoranda. Lavínia Lins é psicóloga clínica, psicoterapeuta com base de trabalho na Psicanálise, escritora e palestrante.