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Filho é filho, independente da origem. Entender a adoção é essencial para que ela, de fato, cumpra o seu papel

O Dia Nacional da Adoção será celebrado no próximo 25 de Maio, e esta data sempre nos convoca a refletir sobre o tema, que, não raras vezes, ainda é imbuído de equívocos, preconceitos, e falta de informação.

No Brasil, a filiação é única, ou seja, não há necessidade de qualificar a filiação, na medida em que a Constituição Federal (art. 227, § 6º) estabelece a igualdade entre os filhos de qualquer origem, de modo que estes terão os mesmos direitos e qualificações, sendo, inclusive, vedadas quaisquer designações discriminatórias.

Concluído o processo de adoção, qualquer referência à origem passa a ser desnecessária: o filho integra-se à nova família de forma completa e definitiva.

Infelizmente, a falta de percepção correta acerca do que se trata a adoção e de seus efeitos jurídicos ainda leva muitos a crer que se trata de um consolo para aqueles que não têm filhos, uma companhia para a velhice, uma caridade.

Aliás, a crença de que é possível “devolver” o filho adotado, como se fora um objeto “que veio com defeito”, ainda permeia muitas mentes.

O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê que a adoção se trata de medida irrevogável; ou seja, alcançada uma decisão favorável em um processo de adoção, atribui-se à criança ou adolescente a condição de filho, garantindo-lhe todos os direitos daí decorrentes.

Deste modo, concluído o processo de adoção, não é possível voltar atrás! A maternidade/paternidade precisa ser exercida com todos os deveres e responsabilidades a ela inerentes. Vão surgir conflitos, tensões, enfermidades, mudanças de temperamento, enfim, vão surgir dificuldades que são comuns a qualquer tipo de família, e o abandono não deve jamais ser a resposta.

A fim de que os futuros adotantes tenham esta percepção, a lei brasileira estabelece etapas no processo de adoção, que objetivam favorecer a convivência entre os membros da nova família.

Ocorre uma aproximação gradativa, que pode culminar na possibilidade de a criança dormir na casa dos pretensos adotantes. Esta convivência prévia deve ser acompanhada por equipe multidisciplinar (assistentes sociais e psicólogos), e os futuros pais precisam ter paciência, se sentir seguros, e, principalmente, prover um ambiente de muito afeto.

Necessário, portanto, conhecer como funciona o processo, estar convicto de suas decisões, participar das capacitações que são promovidas pelas Varas da Infância e Juventude e das reuniões com as equipes técnicas, para que a adoção realmente cumpra com o seu objetivo de inserção da criança/adolescente em um ambiente familiar saudável, que propicie o pleno desenvolvimento do filho.

Ana Carolina Trindade

E o que se adota junto com um filho?

O amor é um dos temas mais discutidos nas mais diversas áreas. Amar alguém é, também, uma forma – inconsciente – de alcançar a realização de ser amado. E não há nada de errado nisso. Afinal, o combustível que faz andar o carro da existência humana reside no desejo de ser desejado, de ser o desejo do outro.

Não necessariamente uma forma de receber de volta o que foi ofertado; mas não totalmente distante disso, uma maneira de ter de novo, ou finalmente, o que sempre se desejou – a completude.

A Psicanálise nos convoca a refletir sobre a expectativa que geralmente nutrimos de tapar os nossos buracos, de preencher os nossos vazios. E é aí que, por vezes, surge o desejo de dividir a vida com alguém – casar, ter filhos…

No meio do caminho, algumas dessas pessoas se veem sem a possibilidade de gerar um filho biologicamente (não que essa seja a única, claro, mas uma das grandes razões pelas quais), então, buscam o processo de adoção.

E o que se adota junto com um filho? O que há embutido no desejo, desse desejante, de trazer uma outra pessoa ao seu mundo?

Sabemos da capacidade de criação da fantasia humana, e de como isso implica idealizações que podem ultrapassar, em diversos níveis, o real. Desde o amor romântico ao amor por um filho, é preciso trazer à tona a verdade – ninguém, gerado no ventre, ou de outras formas, nasceu para preencher o vazio que constitui o outro.

Filhos não podem ser uma aposta de compensação, realização, ou alcance de felicidade plena. Filhos são pessoas, e como pessoas, também feitas de faltas e incompletudes.

Ainda que frutos dos nossos desejos, é importante lembrar que não há qualquer favor ofertado quando se recebe um filho – independentementeda forma como ele foi introduzido naquela família. E evidenciar e propagar essa ideia, talvez, seja uma maneira de garantir não somente menos frustração, mas, sobretudo, menos rejeiçãoe menos abandono.

Ter em mente que o filho que chega é humano; que as responsabilidades para com ele são enormes, e que ele não lhe deve nada por isso é um tabu a ser quebrado. Necessário. Fundamental. Além de questão de justiça.

Para além do amor e da idealização, devemos fomentar que pessoas, e suas integridades física e mental, estão em jogo.

Ter, receber, gerar, adotar, um filho, é um ato que envolve bem mais questões  do que talvez tenhamos em conta. E, seja parindo pelo corpo ou pelo desejo, suposto na adoção, cabe, a quem recebe aquele ser humano, o dever de acolher, proteger, zelar – e todas as entrelinhas que moram na conjugação desses verbos.

Amor não é favor. Nem é coisa barata. Custa caro dar o que não se recebeu (se o que se espera dar é coisa melhor). Amor é coisa que se constrói. E que, talvez, antes de se construir, tenha que passar por algumas reformas, ou demolições…

Amor tem por sobrenome o Cuidado, que anda de mãos dadas com o Respeito, que, juntos, nos dizem que, formar família é trabalho árduo, que envolve o compromisso de multiplicar as chances de dar ao mundo alguém com recursos mínimos para enfrentá-lo, explorá-lo e ressignificá-lo; alguém que, certo de suas incompletudes, esteja disposto a, ainda assim, amar e amar de novo, nesse ciclo sem fim, e humano – bonito, e não isento de responsabilidades.

Lavínia Lins

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Ana Carolina Trindade e Lavínia Lins

Ana Carolina Trindade é advogada, especialista em Direito e Família e Sucessões. Graduada e Mestre em Direito pela UFAL. Também é professora e Doutoranda. Lavínia Lins é psicóloga clínica, psicoterapeuta com base de trabalho na Psicanálise, escritora e palestrante.