“Acho meu nariz meio grande e não me sinto confortável com o meu corpo. Quero emagrecer mais”. A fala é da estudante de 16 anos, Júlia Barbosa. Não é difícil, nos dias de hoje, encontrar adolescentes relatando insatisfação com a aparência.
Em tempos de redes sociais, influencers, filtros e exibição de recortes da realidade, o que é mostrado são corpos perfeitos, rotinas ultradisciplinadas e a sensação de que há um padrão de beleza a ser perseguido.
“A maioria é influência negativa. É muito raro se ver uma influencer postando coisas reais, os perrengues, que nem sempre tá bonita. Sempre o que é postado são coisas boas e isso incita a criação de um padrão inalcançável e uma comparação absurda com uma vida que claramente é impossível de ter”, afirma Júlia.
Mais de 200 mil procedimentos
Acontece que nem todo mundo enxerga o poder e os perigos da influência com essa clareza. Parte das jovens tem saído apenas do âmbito da comparação e decido pagar o preço imposto por essa vitrine digital, ainda que esse preço seja uma mesa de cirugia.
O Brasil ocupa o segundo lugar no ranking mundial de realização de cirurgias plásticas no mundo, é o que mostram os dados levantados por pesquisa da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica (ISAPS) divulgados em 2021.
Somente neste anos foram registrados mais de 2,7 milhões de procedimentos estéticos no país, contabilizando os cirúrgicos e não-cirúrgicos.
Analisando os dados publicados pelos últimos quatro Censos realizados pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, é possível perceber que a média de procedimentos entre jovens de 12 a 18 anos é de 7,47%, o que nos dá mais de 200 mil intervenções.
O procedimento cirúrgico mais realizado entre as adolescentes é o implante de silicone.
62% utilizam o Instagram para divulgação
De acordo com a médica cirurgiã plástica, Viviane Mendonça, o profissional responsável deve e frear toda e qualquer ambição estética que esteja fora do contexto da idade. “Isso porque hoje em dia existe uma cobrança muito grande relacionada à aparência e não é saudável que a adolescente faça a cirurgia estética para tentar melhorar a aceitação, a essência é que é mais importante. Então, em meu consultório retardo o máximo que eu posso”, pontua.
Coincidência ou não, o Brasil também ocupa posição de liderança em outro ranking. Levantamento realizado pela Comscore mostrou que o país está na terceira posição entre os que mais consomem rede social em todo o mundo. O WhatsApp (80%), o Instagram (62%) e o TikTok (58%) são as redes mais utilizadas pelos jovens de 9 a 17 anos.
Se, parafraseando Milton Nascimento, o “artista tem de ir aonde o povo está”, os cirurgiões plásticos têm feito a lição de casa e conhecido bem o seu público. O último Censo realizado pela SPBC mostra que mais de 62% utilizam o Instagram como principal forma de divulgação profissional. E olhe que o levantamento ocorreu em 2018.
Aumento de distúrbios psicológicos e alimentares
Não bastassem os riscos relativos à saúde física, as redes sociais são apontadas ainda como associadas ao aumento de distúrbios psicológicos, como o de imagem, alimentares e depressão, por exemplo.
Em outro estudo, 32% das crianças e adolescentes de 11 a 17 anos afirmaram ter usado a internet para buscar ajuda para lidar com algo ruim que vivenciaram ou conversar sobre suas emoções. A internet também foi usada para buscar informações sobre alimentação saudável e dietas (55%); sintomas, prevenção e tratamento de doenças (38%); exercícios e dicas para entrar em forma (36%). Os dados são da pesquisa TIC Kids Online, divulgados pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil Divulgada em agosto de 2022.
Mirella Nobre, mestre em psicologia e especialista em adolescência, afirma que é cada vez mais comum receber em seu consultório, meninas com queixas em relação à aparência. “As meninas estão se voltando para comparações com os padrões de beleza que têm sido mostrado nas redes sociais, fazendo o natural parecer diferente ou até estranho. O cabelo natural, a pele sem maquiagem e um corpo real tendem a ser vistos fora do que é esperado por uma cultura que se vincula bastante com a imagem”, ressalta.
“Tenho vergonha de mostrar o rosto”
Segundo o levantamento Global Burden Disease, 90% de 21 estudos que exploraram as comparações de aparência nas plataformas sociais detectaram uma “relação significativa” entre os sentimentos de inequação e autoaversão.
Amanda Dias, estudante de 19 anos, afirma usar pouco as redes por vergonha. Seu relato confirma o sentimento de exigência ao qual essas meninas estão se sujeitando. “Eu já tinha feito receio de mostrar o rosto e por conta da acne isso pirou, teve uma época que eu não saía sem máscara porque tinha vergonha de meus colegas da faculdade e amigos verem meu rosto”.
Ainda de acordo com o estudo, mulheres correm mais risco de danos potenciais pelo uso das mídias sociais. As autoras ressaltam que uma revisão recente de 94 pesquisas revelou que, em média, a prevalência de algum distúrbio alimentar é de 8,4% no gênero contra 2,2% nos homens.
“As comparações estão sempre presentes quando o assunto é rede social. Por estarem passando por uma fase em que o cérebro ainda está em desenvolvimento, as meninas mais jovens podem ter dificuldades para compreender o contexto no qual as vidas das redes sociais estão sendo mostradas, acreditando que se esse padrão não for seguido elas não serão aceitas ou pertencentes a um grupo”, conclui a psicóloga.