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Ela veio para Maceió ensinar História Indígena e descobriu a si mesma: “Passei a me reconhecer neste lugar”

Buscar conexões com a ancestralidade e inspirar os alunos e alunas a fazerem o mesmo. É assim que Michelle Macedo define o seu projeto de vida. Nascida em São Gonçalo, Rio de Janeiro, ela conta que sempre foi dedicada aos estudos e apaixonada pela escola e tudo o que a envolvia, dos funcionários, aos colegas e eventos.

“Devo isso aos meus pais, que sempre participaram ativamente da minha vida escolar. Minha mãe, antes de sair para trabalhar, deixava na mesa um exercício baseado na matéria do dia. Assim que acordava, eu respondia tudo e antes de dormir, ela corrigia e revisava comigo as respostas erradas. Meu pai também adorava acompanhar minhas atividades escolares, ele costumava digitar meus trabalhos na máquina de escrever velha que tinha na minha casa”, relembra.

Michele relembra ainda que é da mesma época o início da proximidade com a docência, que a rodeava em várias relações, desde as de amizade, já que sua brincadeira preferida era a de escolinha, onde ensinava às amigas, até as familiares.

“Meu tio, irmão da minha mãe, morava com a gente no mesmo quintal e ele era professor de matemática. Eu gostava muito de ver ele corrigindo as provas, dando nota, preenchendo diário. Antes de gostar de História em si, eu amava a escola, aprender e ensinar”.

Apesar disso, ela revela que não tinha o sonho de ser professora, pois já havia o estigma de ser uma profissão desvalorizada e mal remunerada. “Muitos falavam isso pra mim e quando chegou a época do vestibular acabei optando por Jornalismo. Sabia que Humanas era meu lugar, mas cursar História estava distante justamente por causa das opções profissionais”.

Foto: Cortesia

“Na verdade, durante o ensino fundamental, eu não gostava muito da disciplina de História, achava bem chata. O método de ensinar era sempre o mesmo: decorar datas, fatos e personagens dias antes da prova. E depois, esquecia tudo. Não havia reflexão, análise, nada! Mas quando cheguei no Ensino Médio, passei a ter professores que ensinavam de forma diferente. Foi aí que comecei a me interessar porque, mesmo que de forma bem elementar, comecei a entender que nossa realidade do presente era resultado de um processo passado”, analisa.

Naquela época, não havia ENEM, para cada universidade havia uma seleção diferente. Michelle conta que não passou na sua primeira opção e foi cursar o pré-vestibular com os mesmos professores que a haviam feito gostar um pouco mais da matéria, mas eles não foram os responsáveis por sua mudança de decisão.

“Esse período reforçou o meu gosto pela disciplina. Vendo meu entusiasmo pela História e já sabendo do meu gosto por ensinar, meu pai um certo dia me perguntou: “Por que você não faz História no vestibular? Eu acho que você pode ser uma ótima professora de História”. Meu pai não tem formação superior e teve poucas oportunidades para estudar, mas o conhecimento que ele tem é grande o suficiente para inspirar qualquer um com uma simples frase”, relembra.

“Na universidade eu aprendi a ser historiadora, acadêmica, pesquisadora… Mas foi com meu pai que aprendi a ser um sujeito político, questionador e inconformado com as desigualdades e injustiças. Ele me ensinou a amar política! Ele me ensinou que se a gente não faz política, alguém vai fazer por nós. E quando isso acontece, corremos o risco de sermos subjugados por relações de poder desiguais sem se dar conta. E assim, escolhi cursar a graduação em História na Universidade Federal Fluminense (UFF) e me especializar em História Política”.

Michelle revela que quando começou a graduação, não tinha muita noção do que, de fato, um historiador fazia e que a pesquisa foi se tornando uma realidade aos poucos.

“Se antes eu compreendia a ciência da História como um meio de conhecer o passado para compreender o presente, pouco a pouco fui entendendo que a forma de interpretar o passado também mudava de acordo com o presente. E não apenas isso, fui entendendo também que a subjetividade e o lugar social de quem contava esse passado era um fator fundamental para a construção da narrativa que se queria contar”.

A historiadora continuou seguindo com suas pesquisas no mestrado e no doutorado em História na mesma Universidade, no total, foram em torno de sete anos de dedicação nas especializações ao mesmo tempo em que lecionava em três colégios da rede básica de ensino, numa rotina puxada, mas que ela afirma que nunca pensou em desistir, ao contrário, só reforçou o seu amor pela sala de aula.

“Defendi minha tese de doutorado em 2012 e nesse mesmo ano, abriu concurso para professora substituta da universidade que me formou. Passei em primeiro lugar e assumi a vaga, mas foi por pouco tempo, porque logo depois a Universidade Federal de Alagoas abriu seleção para professor efetivo da área de História Indígena e eu resolvi tentar, mesmo não tendo nenhum conhecimento específico sobre a temática indígena”.

Michelle passou no concurso e mudou sua vida, abraçando a capital alagoana, que até então não conhecia, e o tema que havia se tornado sua nova paixão. “Com o passar dos anos, percebi que estudar a temática indígena estava me transformando, mudando a minha forma de me colocar no mundo, de me relacionar com outras pessoas e outros seres. Mudou a minha relação com a minha própria história, com o passado da minha família”.

“Trabalhar com História Indígena foi me reconectando com minha ancestralidade, mexendo com memórias, sentimentos, emoções, consciência e inconsciente… Hoje, ao conhecer o processo de apagamento das histórias de sujeitos e coletividades indígenas a partir da colonização e do violento projeto de embranquecimento que foi implementado no Brasil ao longo de séculos, passei a me reconhecer neste lugar”.

Michelle acredita que um dos principais desafios do historiador hoje é horizontalizar o ensino da disciplina, fazendo-a chegar a um público cada vez mais amplo.

“Desejo que o ensino e a pesquisa em história sejam mais inclusivos no sentido de dialogar mais com a sociedade para além dos muros da universidade. Acredito numa educação democrática, construída a partir da troca entre docentes, discentes e sociedade em geral. Esse é o propósito a que pretendo me dedicar.”.

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Meline Lopes

Jornalista, advogada, especialista em comunicação e em marketing digital. Atuou como repórter de televisão durante 9 anos em diversas emissoras do Brasil. É repórter do Eufêmea.