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Silenciosa e muitas vezes imperceptível: violência patrimonial traz impactos financeiros e emocionais

Afeto e segurança representam os principais alicerces nas relações amorosas e familiares. No entanto, existe uma ameaça frequentemente oculta, mas extremamente prejudicial: a violência patrimonial contra mulheres. Essa forma silenciosa de abuso não apenas implica danos materiais, mas também inflige feridas emocionais profundas, resultantes da opressão financeira.

Eduarda* compartilha sua experiência em seu primeiro relacionamento, um período que deveria ser repleto de amor e confiança, mas que se transformou em um dilema financeiro.

“Dinheiro sempre faz falta”

Para o Eufêmea, a jovem relatou que no início de seu primeiro relacionamento estava apaixonada e feliz. No entanto, ela logo se viu em uma situação em que seu parceiro pedia empréstimos financeiros frequentes.

“A pessoa pedia o cartão e dizia que iria pagar depois. Ah, me empresta o cartão, vou comprar tal coisa e eu vou pagar”, relembra Eduarda. No entanto, ao final, essas promessas nunca se concretizaram. Após o término do relacionamento, Eduarda tentou cobrar o valor emprestado, mas não obteve resposta e chegou até mesmo a ser bloqueada pelo ex-companheiro.

Ela reconhece que não possui conselhos fáceis para dar a si mesma ou a outras pessoas. No entanto, enfatiza a importância de não confiar plenamente em alguém.

“Principalmente quando a gente está em um relacionamento, a gente confia muito na pessoa, acho que é aquela coisa de conto de fadas e que não vai acontecer, só acontece com os outros”, diz Eduarda.

Ela aconselha a todos a analisarem bem o comportamento do parceiro, pois sua situação não foi única, e a pessoa repetiu o mesmo comportamento com outras pessoas.

Eduarda enfrentou desafios emocionais ao tentar recuperar o dinheiro emprestado e ser bloqueada pela outra pessoa. “Acho que é vergonhoso, foi uma sensação que eu senti muito, como se eu tivesse que cobrar, porque a vergonha que deveria ser da outra pessoa acaba refletindo em nós, e isso é desagradável”, desabafa.

Embora o impacto financeiro tenha sido limitado, Eduarda reconhece que o episódio afetou seu bem-estar emocional. “Dinheiro sempre faz falta”, ela observa. No entanto, ela se sentiu apoiada por amigos e familiares, mesmo que eles não soubessem dos detalhes da situação.

Segurança financeira
Foto: Cortesia

“A violência patrimonial, que acontece no contexto doméstico e nas relações afetivas, é uma realidade complexa e frequentemente invisível”, afirma Amanda Pinheiro, Advogada Criminalista e presidente do Instituto As Manas.

Ela avalia que isso não apenas beneficia o agressor financeiramente, mas também lhe confere poder para controlar emocionalmente a vítima, mantendo-a aprisionada em um ciclo de violência. “A dependência financeira é uma das principais armas utilizadas pelo agressor contra a vítima dentro desse contexto familiar”.

Pinheiro destaca que as mulheres têm direitos claros. “Elas têm o direito de proteger seus bens até que uma partilha de bens adequada seja realizada”, enfatiza. Para a especialista, isso pode ser alcançado por meio de Medidas Protetivas da Lei Maria da Penha, que têm como objetivo garantir a segurança da mulher em situações de risco.

Ela observa que é possível obter laudos periciais em casos nos quais bens foram destruídos, causando prejuízo à vítima. Além disso, documentos e registros fotográficos de bens patrimoniais compartilhados podem servir como evidências de transações irregulares ou alienações sem o consentimento da vítima. “A comprovação da violência patrimonial é crucial para a busca de justiça”, destaca Pinheiro.

“A ação de partilha de bens surge como uma alternativa para garantir o acesso a propriedades e, em casos de acordos de partilha prejudiciais assinados sob coerção durante divórcios ou dissoluções de uniões estáveis, é possível buscar a anulação desses acordos”, explica.

Para ela, a educação e a conscientização sobre essa forma de abuso são fundamentais para capacitar as vítimas e buscar uma sociedade mais justa e igualitária. “A luta contra a violência patrimonial requer conscientização, apoio e mudanças sistêmicas”, destaca.

“Apoio, acolhimento e orientação”
Foto: Cortesia

Já Elaine Pimentel, professora e pesquisadora da Faculdade de Direito da UFAL, esclareceu como essa forma de abuso afeta a vida das vítimas.

“A grande questão é que a Lei Maria da Penha não trata essas violências como se fossem incomunicáveis”, afirma Pimentel. Ela destaca que essas formas de violência frequentemente coexistem, criando um ambiente de sofrimento e angústia para a vítima. “Se um companheiro está praticando violência patrimonial, ele já está desestabilizando emocionalmente aquela mulher.”

O impacto da violência patrimonial não se limita apenas aos aspectos financeiros. Pimentel ressalta que objetos de valor sentimental, como fotografias e recordações familiares, frequentemente são destruídos, causando um sofrimento adicional. “Tudo isso impacta subjetivamente, emocionalmente. As privações pelas quais as pessoas passam, as perdas, tudo isso constitui violência”, enfatiza.

Uma situação comum é a dependência financeira que muitas vítimas têm de seus agressores. Após o término da relação, a vítima pode se encontrar em condições financeiras desfavoráveis, pois a pensão alimentícia muitas vezes não é suficiente para suprir suas necessidades.

“Isso é muito recorrente, situações em que a mulher tinha um padrão de vida e, posteriormente, devido às violências sofridas, não consegue mais atender às suas necessidades básicas”, explica Pimentel.

O processo de reconhecimento da violência patrimonial nem sempre é imediato. Pimentel ressalta que as vítimas muitas vezes levam meses ou até anos para compreender que estão vivenciando a violência doméstica. “É um processo que requer apoio, acolhimento e orientação”, diz ela.

Para as mulheres que desconfiam estar passando por violência patrimonial, mas não conseguem nomear a situação, Pimentel oferece conselhos: “É importante que elas procurem ajuda especializada de alguém da área jurídica, uma advogada que possa fornecer toda a orientação necessária. Além disso, dentro dessa rede de acolhimento, elas podem receber atendimento de agentes sociais e psicólogos.”

Ela enfatiza que essa é uma jornada de apoio mútuo e que a denúncia não é o primeiro passo. “A mulher não vai denunciar imediatamente. Ela será acolhida para caminhar ao lado dessas mulheres e buscar os caminhos de enfrentamento para cessar essa violência, pois a violência não deve ser naturalizada na vida de nenhuma mulher.”

Importância de denunciar
Foto: Cortesia

A assistente social, professora e pesquisadora Andrea Pacheco ressalta que uma das estratégias fundamentais para combater a violência patrimonial é sensibilizar e orientar equipes de saúde e assistência social para uma escuta qualificada desse grupo vulnerável. “É necessário intervir e encaminhar para tratamento especializado, oferecendo ajuda sem julgamentos e com uma escuta empática”, afirma.

A violência patrimonial contra mulheres é um problema que persiste de forma silenciosa. No entanto, a assistente social destaca a importância de denunciar e agir para assegurar que todas as mulheres tenham o direito a uma vida livre de abusos.

“Como diz Audre Lorde, o silêncio não nos protegerá, então precisamos denunciar, porque o silêncio é cúmplice desse patriarcado, ele é cúmplice das violências, da violação de direitos. Portanto, nós podemos romper esse silêncio, podemos denunciar e podemos…” – diz a professora.

A doutora em Estudos Interdisciplinares de Mulher, Gênero e Feminismo, também destaca a importância de que cada mulher construa um projeto de vida desde cedo, compreendendo que tem o direito de ser livre para fazer o que desejar. “Isso é fundamental para que possam viver uma vida onde todos tenham o direito de serem felizes, amar, trabalhar, ter acesso à saúde, educação e à vida.”

Pacheco enfatiza que a educação desempenha um papel crucial na prevenção da violência patrimonial e na mudança de atitudes culturais que perpetuam essa forma de abuso.

Ela analisa que a violência patrimonial está relacionada à violação dos direitos das mulheres sobre suas posses e patrimônio. “Isso inclui situações em que as mulheres são impedidas de utilizar objetos adquiridos em conjunto, como carros, computadores, ou até mesmo seu próprio salário.”

Na grande maioria das vezes, as mulheres que sofrem violência patrimonial não percebem a situação e acreditam ser algo “natural”, de acordo com Pacheco. Para ela, a educação desempenha um papel crucial na prevenção dos diversos tipos de violência, bem como na mudança de atitudes culturais que perpetuam esse ciclo.

“O primeiro passo é fundamental para que as mulheres compreendam o projeto patriarcal e machista que interfere em nossas vidas, como ele define nossas ações, nossas atitudes, e como isso é construído desde o momento em que ainda estamos no ventre materno, até o momento em que nascemos, vivemos e morremos”, enfatiza.

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Rebecca Moura

Estudante de Jornalismo pela Universidade Federal de Alagoas e colaboradora no portal Eufêmea, conquistou o primeiro lugar no Prêmio Sinturb de Jornalismo em 2021. Em 2024, obteve duas premiações importantes: primeiro lugar na categoria estudante no 2º Prêmio MPAL de Jornalismo e segundo lugar no III Prêmio de Jornalismo Científico José Marques Melo.