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Casamento infantil e o peso para o futuro das meninas no Brasil: “Prática nociva”

Uma a cada quatro meninas no Brasil se casa antes dos 18 anos, segundo relatório mundial do Fundo de População da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre as violações de direitos contra mulheres e meninas divulgado este ano. O país ocupa a 4ª posição mundial em casamentos infantis, como atesta a advogada Maryah Salgado, idealizadora do Mulher de Direitos, espaço digital para compartilhar informações descomplicadas sobre o Direito da Mulher. 

“É uma posição que reflete o nosso contexto histórico-cultural. O Brasil por muito tempo permitiu e incentivou o casamento infantil seja para embranquecer a população, para repassar patrimônio ou para isentar a pena de um estuprador de vulnerável”, pontua a advogada, formada pela PUC-PR em 2012, pós-graduanda em Filosofia e Direitos Humanos pela mesma instituição.

De acordo com a especialista, “a ONU considera como casamento infantil aqueles celebrados com menores de 18 anos. A legislação brasileira permite o casamento a partir dos 16 anos com a autorização dos pais ou responsáveis. Até ano passado, era permitido o casamento de menores de 16 anos caso a menina estivesse grávida ou para evitar uma imposição de pena. A luta agora é para que a legislação brasileira reconheça o casamento infantil como os celebrados com menores de 18 anos e o proíba sob qualquer hipótese”. 

Tema ainda tratado como distante da realidade brasileira, o casamento infantil traz consequências graves para as meninas, como explica a advogada Maryah Salgado.  

“O Brasil foi construído a partir da exploração do corpo feminino. Há uma grande dificuldade em se reconhecer meninas como sujeitas de direito, que possam construir uma vida independente e autônoma. Quando uma menina engravida, é muito forte no imaginário social que o casamento seja uma solução para aquele problema. É por isso que se torna tão necessário falar sobre as consequências do casamento infantil, como a perpetuação da pobreza, a evasão escolar, a subordinação da menina ao seu marido e, principalmente, o aumento de chance de sofrer violência doméstica”. 

No Instagram, a advogada Maryah Salgado, idealizadora do Mulher de Direitos, mostra os números e aponta para as consequências do casamento infantil

Estudo realizado pelo Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), entre os anos de 2014 e 2018, destaca a advogada, aponta que “o Brasil casou quase 182 mil crianças, sendo 93% meninas. É muito provável que esse número seja muito maior, uma vez que muitos casamentos infantis são celebrados na informalidade”. 

Estupro de vulnerável 

Questionada por que esses casamentos seguem acontecendo, já que ato libidinoso ou sexo com menores de 14 anos é considerado crime de estupro de vulnerável no país, Maryah Salgado ressalta que “o casamento infantil é uma prática que, muitas vezes, é vista como solução para algum problema, seja a gravidez, seja a pobreza. Como grande parte deles acontece na informalidade, é difícil que a legislação consiga atingir a todos”.  

“O casamento infantil com certeza vem acompanhado do crime de estupro de vulnerável e esse crime pode ser cometido contra meninas e meninos. Acontece que a gente sabe que, de uma forma geral, é um crime cometido em sua maioria contra meninas”. 

Maryah afirma também que “a lei tipifica o estupro de vulnerável como “ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos”, com pena de reclusão de 8 (oito) a 15 (quinze) anos”.  

Eufemea – Podemos dizer que esta é uma violação de direitos humanos?  

Maryah – Com certeza. O casamento infantil é uma prática nociva, principalmente para meninas, pois a submete a uma relação na qual ela, provavelmente, não possuirá poder decisório e perderá consideravelmente sua mobilidade social. O casamento infantil é uma das principais causas de evasão escolar, o que impede que meninas tenham meios de se emancipar socialmente e as submetem a situações que aumentam a probabilidade de sofrerem violência.  

Há casos de crianças casando com adultos. Você recebe denúncia de cárcere privado nesse tipo de situação, quando a menina é muitas vezes proibida até de sair de casa? Qual o procedimento?  

Nesses casos, o ideal é que busque os canais de denúncia da sua cidade. Quando se envolvem crianças, é preciso entrar em contato com o Disque 100 ou diretamente no NUCRIA – Núcleo de Proteção à Criança e ao Adolescente. 

E as consequências emocionais, físicas e de vida para as meninas, que precisam arcar com responsabilidades de adultos ainda tão cedo, quais são?  

Essa pergunta foge um pouco da minha área do saber, mas sabemos o quanto a infância é uma parte importante das nossas vidas. Uma mulher que foi cerceada desse período por consequência de um casamento, provavelmente será dependente e subordinada por toda a sua vida, uma vez que foi impedida de atingir seu pleno potencial. 

Você atendeu já algum caso desse tipo, tem relatos?  

É muito difícil que haja denúncias e judicialização desses casos mesmo porque, muitas vezes, são os próprios familiares que permitem o casamento infantil. Nós precisamos lembrar que, nesses casos, a vítima é uma criança que não tem a quem reportar ou pedir ajuda. 

Quase toda família tem o caso de uma menina, menor de 18 anos, que casou porque engravidou. É uma prática cultural, enraizada, que agora que estamos começando a ter um olhar mais crítico e humanizado.