Eliene Estácio e Daniele Priscila são duas mulheres com disparidade de 20 anos de idade, mas que dividem a mesma opinião quando o assunto é casamento. As duas escolheram permanecer com o chamado “nome de solteira” para valorizar suas raízes, identidade e, principalmente, a história da família.
Esse direito de escolha só foi possível a partir de 2002, quando uma mudança no Código Civil tornava facultativa a adoção do sobrenome do marido. Passados 21 anos, caiu em 30% o número de mulheres que decidem incluir o sobrenome do esposo no ato do casamento. Os dados são da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen), os quais revelam também que essa tendência só cresce e cada vez mais as tradições conjugais estão sendo repensadas.
“Sou o que sou por causa do meu sobrenome”
‘Você não é casada direito’, ‘Não faz parte da família’, ‘Já se casou pensando na separação’ foram alguns comentários que Daniele Priscila ouviu ao optar por não atribuir o sobrenome Bomfim, pertencente ao marido.
A alagoana relata que ao chegar no cartório para oficializar a união foi informada que para aderir ao sobrenome do marido teria que retirar o da sua mãe.
“Não aceitei retirar o Marques da minha mãe. Além de ser um sobrenome lindo, ele conta a história da minha família e marca essa identidade. Somos uma família formada por mulheres fortes, que lutaram bastante para conquistar seu espaço, tendo que passar até por discriminação social e violência doméstica. Por isso, Marques significa luta e resiliência e eu me orgulho muito disso”, diz ela.
Daniele conta que o funcionário do cartório chegou a interferir em sua decisão. Naquele momento, ela buscou apoio no esposo, que a deixou livre para fazer sua escolha. “O lado pessoal do homem que nos atendeu falou mais alto. Ele brincou, dizendo que, se fosse meu marido, não aceitaria isso, que eu teria que seguir as regras dos casamentos comuns. Completou afirmando que, mais tarde, eu iria me arrepender”, relembra a alagoana.
Com o suporte necessário do companheiro, Daniele permaneceu firme em sua decisão de manter o ‘nome de solteira’. No entanto, os questionamentos persistiram, incluindo comentários dos parentes do esposo, que afirmaram que ela não fazia parte da família.
“Eu escutei muitas palavras pesadas. Ouvi que eu não sou casada, que não faço parte da família e que não dei importância ao sobrenome deles. Eles imaginaram também que me casei já pensando na separação, para não ter trabalho com os documentos”, desabafa ela.
Apesar de na época ter sofrido pressões e exigências, a alagoana destaca que hoje mantém uma relação agradável e respeitosa com a família do esposo. Contrariando as alegações de que o casamento não duraria, hoje somam 9 anos de união com Elder Bonfim e reitera que a não adoção do sobrenome em nenhum momento afetou a relação com o esposo.
“O casamento tem que vir para somar e não entristecer anulando nossa identidade, porque eu sou o que sou por causa do meu Marques. Me orgulho bastante de ter quebrado essa tradição e pensado bem antes de aderir”, afirma.
Os simbolismos e a preposição “de”
Eliene Estácio também é alagoana e mantém uma relação desvinculada das tradições milenares: casar na igreja, aderir ao sobrenome, assinar um contrato, tudo isso não faz parte da sua realidade. A pedagoga não casou nem no religioso, nem no civil, optando apenas por manter uma relação estável com seu companheiro, priorizando a liberdade de escolha e a individualidade.
Segundo ela, a adoção desse modelo de relacionamento foi inspirado a partir da observação do casamento dos seus pais, que era marcado por submissão e posse.
“A relação deles já serviu de parâmetro para eu não aceitar esse sentimento de submissão que vem junto com o casamento. Minha mãe era doméstica, então a visão que eu tinha era que o papel da mulher era servir, mas eu sempre questionei isso. Eu tinha o desejo de ser livre, de conquistar minhas coisas sozinha. Geralmente, reproduzimos a relação dos nossos pais, porém no meu caso, eu resolvi fazer diferente”, diz a pedagoga.
Para Eliene, a adoção do sobrenome do marido traz o apagamento das individualidades e tem efeito no inconsciente da mulher. “Há uma mudança na forma que a mulher se vê. Ela muda o modo de se vestir, deixa de ir em um show com os amigos, de ir tomar um café, de fazer as coisas que mantêm sua individualidade. É seguindo esse ciclo que ela acaba se tornando dependente emocionalmente”, afirma ela.
A alagoana ainda considera fundamental analisar os simbolismos presentes nos casamentos, destacando o significado da preposição “de” que acompanha os sobrenomes.
“Tudo tem um porquê. Por exemplo, a preposição “de”, que acompanha os sobrenomes, já possui um sentido de posse. O pai, ao entregar sua filha no altar para o futuro esposo, entrega também a propriedade dela, como se a mulher deixasse de ser dele, para ser agora, do marido. Por meio disso, o nome dela também é modificado com um jogo de preposições, ela deixa de ser “da Silva” para ser “de Medeiros”, ou seja, ela é agora do esposo, consequentemente, da família Medeiros”, explica a pedagoga.
Eliene finaliza afirmando que a adoção ou não do sobrenome do marido depende bastante de como a mulher se vê, do seu contexto e da sua visão de mundo. “Para mim, casamento que dá certo é aquele que preserva a individualidade. O nome é a nossa maior identidade, é a nossa imersão na história e na linguagem e eu não aceito perder isso”.