Eliane Cavalcanti. Foto: Jean Charles Watelet
Quem passa pelas ruas do bairro Pinheiro, em Maceió, tem a impressão de estar diante de um campo de guerra. Casas e ruas inteiras destruídas formam o cenário aterrorizante que se tornou a região. O Pinheiro é um dos quatro bairros da capital alagoana afetados pelas minas de exploração de sal-gema da petroquímica Braskem e que podem desaparecer. Além dele, a destruição atinge Bebedouro, Mutange e Bom Parto, expulsando famílias de suas moradias e comerciantes dos locais de onde até aqui tiravam seu sustento, geravam emprego e renda, como é o caso de empreendedoras que viram seu sonho literalmente desmoronar.
O Eufemea ouviu empreendedoras do Pinheiro e traz o relato da situação que elas enfrentam.
Eliana Cavalcanti é dona do ballet de mesmo nome, tradicional na cidade, fundado em 1973, portanto, há 47 anos. Sua primeira sede ficava localizada à Rua Senador Mendonça, no Centro de Maceió. Por necessidade de um espaço maior, pois o número de alunos crescia, ela se mudou para um casarão (segunda sede) da Rua Barão de Alagoas, onde hoje funciona um complexo do Sesc.
Ela conta que em 1979, comprou um terreno no Loteamento da Leão Empreendimentos, localizado no Farol, que passou tempo depois a se chamar Pinheiro. A construção da sede definitiva do Ballet Eliana Cavalcanti, como imaginava, iniciava ali, em 1981.
De um casarão, a apenas duas salas
Mesmo com o tremor de terra de 2018, ela diz que não se preocupou porque achava que havia sido uma acomodação do solo. “Aos poucos, fomos ficando cientes das fissuras e rachaduras dos imóveis do Pinheiro, bem como dos afundamentos no solo. No início de 2019, fizemos uma reunião com os alunos e pais dos nossos alunos, menores de idade. Por quase unanimidade, eles falavam que no Pinheiro não voltariam a estudar. Passamos um mês inteiro procurando onde abrigar a nossa escola. Depois de muita pesquisa, alugamos duas salas no Colégio Monteiro Lobato. Era uma situação emergencial”, lembra Eliana.
Com isso, segundo conta, acabou perdendo alunos. “Muitos dos que moravam no Pinheiro foram morar em bairros distantes, e ainda amargamos o fato de termos de pagar aluguel. De uma escola com recepção, secretaria, cantina, apartamento para professores, sala de espera, duas salas de aula com 100 metros quadrados cada, garagem para dois carros e área de lazer, além de um apartamento completo onde moramos por muitos e muitos anos e, ultimamente, morava a minha filha com sua família, tivemos de nos contentar com duas salas pequenas”, conta a bailarina empreendedora.
Futuro incerto, espera angustiante
A nova sede foi aberta em fevereiro e fechada em março por conta da pandemia. Em agosto, as atividades foram retomadas. O número de alunos tem aumentado, mas a empresária diz que ainda é insuficiente para pagar o aluguel do espaço, que é muito alto.
“Com relação à Braskem, estamos na angustiante expectativa de uma espera que se arrasta. Nosso prédio está fechado com tijolos. Não é mais nosso, pois tivemos de assinar um Termo de Posse para a Braskem, mas não sabemos quando nem quanto receberemos de indenização, pois assim foi acordado entre o Ministério Público e a empresa responsável por essa destruição de quatro bairros e destruição da saúde de milhares de moradores e empreendedores”, revela Eliana.
“Como já entregamos toda a nossa papelada ao nosso escritório advocatício, e este, por sua vez, já encaminhou ao jurídico da Braskem, estamos aguardando a fim de ouvirmos a proposta da empresa quanto ao valor da nossa indenização. É surreal!”.
Quanto ao futuro do Ballet Eliana Cavalcanti, ela não sabe ainda qual será. “Fica difícil decidir alguma coisa sem saber nada sobre a nossa indenização. A escola é a minha única fonte de renda, e eu tinha certeza que quando resolvesse parar teria um prédio que valeria um aluguel que me daria uma boa aposentadoria”, lamenta Eliana.
Investimento alto, prejuízo grande
Há quatro anos Andréa Costa de Carvalho é proprietária da Sonograph, clínica de diagnóstico por imagem no Pinheiro.
Hoje, com as rachaduras nos imóveis, o prejuízo é grande. “A clínica está aberta, mas assim, recebo muitas situações, principalmente de particulares e de convênio, que ligam para marcar e aí quando sabem que é no Pinheiro, desistem. Como se as pessoas tivessem receio de estarem aqui e afundar o prédio. Muito desconhecimento em relação a isso, mas eu não julgo, porque é uma situação complicada de quem está vivendo aqui”.
Em relação à Braskem, ela diz que o advogado está entrando em contato para ver no que eles podem ajudar. “Nós temos que sair daqui. Tive que pagar os aluguéis da casa que iria reformar no Farol, para sair daqui do Pinheiro, mesmo desistindo de mudar pra lá, pois a reforma ia ficar em torno de R$ 400 mil. Agora estou para alugar um outro espaço, que eu vou gastar menos em reforma. E assim a gente vai administrando até conseguir sair daqui e ir para um lugar tranquilo nesse sentido”.
Indagada como se sente, Andréa responde: “De pé, mão, tudo atado, porque gostaria muito de reformar esse prédio, gosto demais dele. Nos atende perfeitamente. A minha ideia era reformar. Ano passado busquei fazer essa reforma, mas aí preferi aguardar para ver como iria funcionar essa questão do Pinheiro. Esse ano iniciei também a reforma. Então paguei arquiteto duas vezes, mas aí o pessoal da associação me aconselhou a não dar continuidade, a sair daqui”.
Ela relata a dificuldade para chegar até o local onde está hoje e de onde terá que sair.
“Foi muito complicado conseguir um espaço que nos coubesse, inclusive no sentido da gente gastar menos. A gente teve que fazer uma série de adaptações. Tenho que atender as exigências de todos os órgãos que nos fiscalizam. O arquiteto também tem que ser alguém com conhecimento de todas as legislações que permeiam a construção de uma clínica. Não é algo fácil de se fazer. Não só como a maioria dos que estão aqui, sobrevivo desse negócio. Difícil, muito difícil toda essa situação. Muito complicada, mas sigamos”.
De shoppings a supermercados: falência e pobreza
Presidente da Associação dos Empreendedores do bairro do Pinheiro, Alexandre Sampaio informa que há em torno de 3.600 CNPJ ativos nos quatro bairros atingidos e 800 empreendedores informais e profissionais liberais.
Segundo ele, não há como saber que tipo de empreendimento predomina na região, mas afirma que “os quatro bairros ofereciam todos os tipos de comércio e serviço para a população. De shoppings a supermercados, de hospitais a escolas, de clínicas, prédios empresariais, galerias, restaurantes, boutiques, salões…”.
Há muitos casos em que no mesmo prédio onde o investidor mora funciona o empreendimento, ou seja, uma dupla perda. “Não só de morar e empreender no mesmo Imóvel, mas também de investir em imóveis no bairro. Em todos os casos a perda é duplicada”, diz Alexandre ao informar que “cada um vai pra onde quiser ou puder. Na prática, a quebradeira é grande, pois é impossível mudar sem dinheiro”.
De acordo com o presidente da associação, as negociações se iniciaram, mas 99% das empresas ainda não receberam as indenizações. “Primeiro assina um termo pra desocupar o imóvel, recebendo míseros R$ 10 mil de adiantamento da indenização. Depois apresenta as provas dos danos material, moral e lucros cessantes. Mas a Braskem não fez nenhuma proposta até hoje de indenização”, relata Alexandre.
Já a entidade representativa vem prestando todo apoio aos empreendedores.
“A Associação atua em cinco frentes: jurídica, oferecendo apoio em todas as esferas da empresa, além da negociação com a Braskem; troca de informações, tirando dúvidas e ajudando a calcular os prejuízos; negociações de reduções tributárias, a exemplo da lei municipal 6.900 aprovada em maio do ano passado, da negociação em curso com o governo estadual de isenção de ICMS; negociação de crédito subsidiado: construímos junto com o Sebrae e Desenvolve uma proposta de crédito, mas o governador não teve interesse até agora de ajudar em nada e representação junto à imprensa, redes sociais e órgãos públicos, fazendo denúncias, negociações, vídeos, palestras, entrevistas, etc”.
O início de tudo: tremor e rachaduras de casas
Era fevereiro de 2018 quando, após um período de fortes chuvas, ocorreu um tremor que foi sentido em Maceió. Logo após, casas, prédios e ruas do bairro do Pinheiro sofreram rachaduras. Tratado a princípio como fato isolado, o fenômeno se repetiu em março do esmo ano, quando foi registrado um novo abalo, de 2,5 na escala Richter, provocando o aumento das fissuras e assustando a população de Maceió.
Com o novo abalo, em junho de 2018, o Serviço Geológico do Brasil (CPRM) deu início aos estudos de solo. E um ano depois, em maio de 2019, quando as rachaduras e os buracos no asfalto já haviam atingido os bairros de Mutange, Bom Parto e Bebedouro, o órgão concluiu que a atividade da mineradora Braskem na região, para extração de sal-gema, utilizada para a fabricação de soda cáustica e PVC, era a responsável pelas fissuras no município.
Nos quatro bairros, 4,5 mil imóveis foram afetados. Braskem pagará R$ 1,7 bilhão para realocar 17 mil pessoas.
Empresa diz que 90% dos empreendedores foram realocados
O Eufemea ouviu também o comando da Braskem sobre a situação dos empreendedores da região. A empresa encaminhou as seguintes informações:
Na área de desocupação do mapa de setorização da Defesa Civil existem cerca de 1000 comércios menores/imóveis mistos que estão sendo atendidos no PCF. Deste total, a maior parte já foi realocada – mais de 90% – com todo apoio dos serviços disponíveis.
Um grupo especial, de técnicos sociais, está buscando ativamente os empreendedores, inclusive por meio dos seus advogados, para entender as necessidades específicas deste grupo e assim garantir a sua realocação.
O programa oferece apoio à realocação e, dentre outras ações, faz a mudança dos equipamentos das empresas. Além disso, no processo de compensação, estão previstos o pagamento dos lucros cessantes do empreendimento e do valor do imóvel para o proprietário, e também a compensação das despesas, como, por exemplo, verbas rescisórias de demissão de empregados ou outros gastos que o comerciante tenha tido para poder preparar um novo imóvel.