Estou indo ao fórum, dirigindo, com uma colega ao meu lado, após uma palestra sobre o combate à violência doméstica para crianças da rede pública de Maceió na OAB. Elas têm entre 8 e 9 anos, e não paro de pensar no sofrimento de Gisèle. Resolvi escrever com um embrulho no estômago. Casos como o de Gisèle Pelicot nos lembram da capacidade humana para o mal.
Gisèle, uma mulher francesa, teve sua vida e dignidade brutalmente atacadas por seu próprio marido, que a drogou e a expôs a uma série de abusos inimagináveis. Essa tragédia, na qual ela foi estuprada por mais de 80 homens, não é apenas uma história de violência; é um alerta para todos nós, pois, infelizmente ou felizmente, a raça humana possui duas metades: a boa e a ruim.
Explico.
Outro dia, fiz um despacho com um desembargador em que solicitei a liberdade de uma mulher que matou o marido após ter sido severamente agredida. Um crime que poderia ter sido evitado se não fosse a camaradagem entre os homens. Não pude deixar de associar essa situação à de Gisèle.
E o pior ainda foi ter sido atendida por um homem que me fez sentir que meu pedido não estava sendo considerado em função da dor/necessidade da vítima, mas sim pela presença de duas advogadas elegantes e bonitas à frente do pedido. Essa experiência me fez refletir sobre como, muitas vezes, o olhar masculino pode reduzir a gravidade de situações críticas, subestimando o sofrimento das mulheres e priorizando aspectos superficiais, em vez da busca por justiça.
No entanto, Gisèle, por sua coragem, já deve ser considerada um grande nome na luta pelos direitos das mulheres do nosso século. Ela fez questão de que seu caso não fosse tratado em segredo de justiça, mostrando à sociedade o ultraje que sofreu, com a esperança de que seu país adote leis mais efetivas contra os crimes cometidos contra mulheres.
A iniciativa teve resposta, e essa tragédia trouxe à tona um fervoroso clamor por mudança na França. Há uma nova discussão no país; nesta sexta-feira (27), o novo ministro da Justiça francês, Didier Migaud, disse ser a favor de legislar sobre o consentimento, como já fizeram outros países europeus, como a Suécia e a Espanha. Ao meu ver, se há possibilidade de ajuste na legislação, é melhor que o façam. Só assim, as mulheres terão ainda mais proteção em todos os casos que, por mais que avancemos, ainda nos chocam diariamente diante de brutalidades.
Devemos nos unir para garantir que as vozes das mulheres sejam ouvidas, que suas histórias sejam contadas e que seus direitos sejam respeitados. É preciso que, independentemente de qualquer situação, o tabu da vergonha da sociedade e de seus preceitos antigos e enraizados seja desmistificado. Retirando o “manto” e mostrando a cara dos abusadores, podemos atenuar o estigma dessas barbaridades.
O empoderamento feminino consiste em dar às mulheres a força e a autonomia para se defenderem e reclamarem seus corpos e suas vidas. Trata-se de criar um mundo onde nenhuma mulher tenha que passar pelo que Gisèle passou. Precisamos educar as novas gerações sobre respeito, consentimento e igualdade. É fundamental fortalecer as redes de apoio e garantir que as vítimas de violência sexual encontrem abrigo e justiça, em vez de vergonha e silenciamento.
A história de Gisèle Pelicot é um lembrete doloroso, mas também uma fonte de esperança, fé no que é bom, e inspiração para a luta contínua contra a opressão. Que possamos honrar sua experiência não apenas com palavras, mas com ações concretas que visem erradicar a violência e promover a equidade de gênero. Juntas, podemos construir um futuro onde todas as mulheres possam viver sem medo, em um ambiente de respeito e dignidade. O empoderamento feminino é um direito, e a luta por ele deve ser incessante.