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“Eu gostava de jogar, de sentir a emoção de colocar um resultado e esperar para vê-lo acontecer. O coração batendo mais forte. Jogar me dava prazer, independentemente da quantia que eu apostava”, relata Janaina* de Fortaleza, uma jogadora compulsiva que buscou recuperação após enfrentar graves consequências financeiras, físicas e psicológicas causadas pelas apostas.
Assim como Janaina, dados do DataSUS revelam que, desde 2020, o número de pessoas atendidas por dependência em apostas aumentou sete vezes. Segundo informações divulgadas pela Folha de S.Paulo, o crescimento é ainda mais expressivo entre as mulheres.
Janaina lembra que sua relação com o jogo começou de forma aparentemente inofensiva, sem envolver apostas em dinheiro. “Sempre joguei baralho e outros jogos, mas era algo recreativo, não compulsivo”, explica. Porém, em um dia comum, decidiu tentar a sorte em uma aposta esportiva. Com o tempo, percebeu que a necessidade de apostar foi se intensificando gradativamente.
Consequências físicas e psicológicas
Além dos prejuízos financeiros, Janaina destaca os impactos profundos que a compulsão por jogos de apostas causou em sua saúde física e mental. “A ansiedade e outros sintomas que foram se acumulando ao longo do tempo me fizeram perceber que eu era uma jogadora compulsiva, que o que eu tinha era uma doença”, afirma.
As emoções de Janaina oscilavam intensamente nos momentos que antecediam o resultado do jogo, variando de euforia a tristeza em questão de segundos. O prazer e a expectativa pelo desfecho tornaram-se cada vez mais intensos, dificultando ainda mais a identificação do momento certo de parar.
“Jogar, para mim, sempre foi algo prazeroso, mas foi um prazer que custou caro, não apenas no setor financeiro, mas também no emocional e nas minhas relações pessoais”, relata Janaina.
Jogos e transtornos psicológicos
De acordo com a neuropsicóloga Kathleen Lima, o vício em apostas pode agravar ou até mesmo desencadear transtornos psicológicos, como ansiedade, depressão e estresse crônico. Ela ressalta que a montanha-russa emocional e financeira criada pelo jogo envolve a mulher em um ciclo vicioso.
É nesse momento que, para tentar compensar o valor perdido, a jogadora compulsiva aposta ainda mais, entrando em uma espiral de prejuízos financeiros e emocionais. Segundo Kathleen, esse padrão de comportamento cria uma pressão constante que pode agravar sintomas psicológicos já existentes.
Ela alerta que, em casos mais graves, todos esses transtornos podem surgir simultaneamente, um quadro conhecido como comorbidade.
“Uma mulher com ansiedade pode começar a jogar para aliviar o estresse, mas o vício pode levar à depressão, criando um ciclo difícil de quebrar. Além disso, o vício em jogos pode provocar conflitos familiares, isolamento social e baixa autoestima, agravando ainda mais a saúde mental”, explica Kathleen.
Mulheres em vulnerabilidade social e os jogos
Para mulheres em situação de vulnerabilidade social, a liberação de dopamina durante o jogo pode ser ainda mais intensa, devido ao estado crônico de estresse em que muitas vivem. Esse desequilíbrio no funcionamento cerebral torna o sistema de recompensa mais suscetível a estímulos que proporcionam alívio imediato.
Mulheres que enfrentam baixa renda, desemprego, falta de apoio familiar ou condições de vida instáveis são especialmente propensas a sentir que não têm controle sobre suas vidas. “O jogo, com sua promessa de ganhos fáceis, oferece uma ilusão de controle e esperança, criando um ciclo de dependência”, explica a neuropsicóloga Kathleen Lima.
O fator econômico também desempenha um papel crucial no desenvolvimento da compulsão por jogos. A pressão para sustentar a família muitas vezes reforça a narrativa de que uma aposta pode mudar tudo, abrindo caminho para a dependência.
“É essencial abordar esse problema com sensibilidade, entendendo que não se trata apenas do jogo, mas das condições que levam alguém a buscar refúgio ou esperança nele. Oferecer suporte emocional, acesso a informações sobre os riscos do vício e oportunidades para melhorar a qualidade de vida são passos fundamentais para prevenir ou tratar essa questão”, destaca Kathleen.
Alternativas para a recuperação
Muitas mulheres que enfrentam a compulsão e o vício por jogos podem sentir vergonha ou medo do julgamento, o que frequentemente as impede de buscar a ajuda necessária para iniciar a recuperação. Segundo a neuropsicóloga Kathleen Lima, os grupos de apoio são fundamentais, pois oferecem um espaço seguro e acolhedor para que as mulheres se conectem com outras pessoas que enfrentam desafios semelhantes.
“Ao ouvir outras histórias, as mulheres podem se identificar e aprender estratégias que funcionaram para outras pessoas. Essa troca é valiosa, pois mostra que a recuperação é possível e oferece novas formas de lidar com situações difíceis”, destaca.
Além dos grupos de apoio, Kathleen enfatiza que a psicoterapia pode ser uma grande aliada no processo de recuperação. Abordagens como a Terapia Cognitivo-Comportamental ajudam a compreender o que está por trás do comportamento compulsivo, identificando gatilhos e desenvolvendo estratégias para enfrentá-los.
“Se alguém se sente preso nesse ciclo, é importante buscar ajuda especializada. Não é uma questão de ‘falta de força de vontade’, mas de compreender e tratar o problema em sua raiz”, afirma.
Jogadores Anônimos Maceió
A psicóloga Nara Magalhães fundou o primeiro grupo de Jogadores Anônimos (JA) em Maceió. Criado em setembro de 2024, o JA Maceió oferece uma rede de apoio onde as pessoas podem compartilhar suas histórias e buscar a recuperação por meio dos 12 passos e das 12 tradições.
Nara explica que, nos últimos anos, o número de pessoas que procuraram seu consultório em busca de ajuda para lidar com a compulsão por jogos aumentou consideravelmente. Isso a motivou a entrar em contato com o JA do Rio de Janeiro e fundar um grupo na capital alagoana.
As reuniões acontecem todas as quintas-feiras, no bairro Mangabeiras, e são gratuitas. Para mais informações, os interessados podem entrar em contato pelo número (82) 99620-2998 ou acessar o site jogadoresanonimos.com.br.
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