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“Enquanto Janeiro for Branco, não estaremos falando de saúde mental”, afirma psicóloga

O Janeiro Branco, uma campanha global de conscientização sobre a saúde mental, surge com a proposta de promoção de reflexões e diálogos sobre o tema. No entanto, o movimento tem sido alvo de críticas por ignorar as especificidades de grupos historicamente marginalizados, como mulheres, populações negras, indígenas e periféricas.

De acordo com a psicóloga Katarynne Martins, a campanha carrega questões que precisam ser discutidas, especialmente no que diz respeito ao racismo e ao modelo individualizante em que está baseada. Ao Eufêmea, ela destaca que “enquanto Janeiro for Branco, não estaremos falando de saúde mental”.

Foto: Cortesia

Janeiro Branco?

“O Janeiro Branco é herdeiro de uma lógica higienista e eugenista. É curioso que o cor da campanha seja branco, perpetuando o apagamento de intelectuais negros/os/es e indígenas/es nas discussões. São raras as abordagens que relacionam saúde mental e fome, e pouco se ouve falar sobre os impactos da violência nos corpos negros”, diz a psicóloga.

De acordo com a psicóloga, a campanha tende a reforçar uma visão medicalizante e individualista, promovendo slogans como “Faça Terapia!” sem considerar a necessidade de fortalecer o SUS (Sistema Único de Saúde) e adotar uma abordagem integral da saúde.

“O Janeiro Branco foi feito para que a branquitude continue desfrutando de seus privilégios, sem ser tocada pelos gritos dos excluídos”, critica.

Katarynne compartilha sua experiência profissional com mulheres vítimas de violência doméstica ou cujos direitos foram violados, destacando que as principais queixas são baixa autoestima, sensação de invalidação e dificuldades em estabelecer limites nas relações. Para a psicóloga, essas questões estão profundamente ligadas às desigualdades estruturais.

“Muitas dessas queixas estão diretamente conectadas a pressões sociais, desigualdades de gênero, sobrecarga emocional e violência estrutural. Elas refletem desafios contemporâneos, como a persistência do machismo, a invisibilização das demandas femininas e a dupla jornada de trabalho enfrentada por muitas mulheres”, explica.

Políticas públicas e saúde mental

Outro ponto levantado por Katarynne é a dificuldade de implementar práticas cotidianas saudáveis em um contexto de alta demanda profissional e precarização do tempo livre. “No contexto da escala 6×1, onde as pessoas trabalham seis dias e descansam apenas um, há uma limitação estrutural significativa que dificulta a adoção de práticas cotidianas saudáveis”, comenta.

A psicóloga observa que práticas como meditação ou exercícios físicos podem se tornar inatingíveis para quem enfrenta a sobrecarga de trabalho e tem pouco tempo para autocuidado ou lazer. “Nesse cenário, essas sugestões podem até soar como uma forma de culpabilização para quem não consegue adotá-las por falta de tempo ou energia” , alerta.

Katarynne reforça que promover o equilíbrio emocional e psicológico de forma eficaz exige mudanças profundas no modelo econômico e social. “Cuidar da saúde mental muitas vezes é tratado como uma responsabilidade individual, desconsiderando os fatores sociais e estruturais que dificultam esse cuidado”, pontua.

Para a psicóloga, é essencial repensar as jornadas de trabalho, fortalecer políticas públicas de saúde mental, ampliar o acesso ao lazer e combater desigualdades sociais. “Sem essas transformações, hábitos individuais, por mais importantes que sejam, correm o risco de se tornarem paliativos frente a um problema sistêmico” , conclui.

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Rebecca Moura

Estudante de Jornalismo pela Universidade Federal de Alagoas e colaboradora no portal Eufêmea, conquistou o primeiro lugar no Prêmio Sinturb de Jornalismo em 2021. Em 2024, obteve duas premiações importantes: primeiro lugar na categoria estudante no 2º Prêmio MPAL de Jornalismo e segundo lugar no III Prêmio de Jornalismo Científico José Marques Melo.