Colabore com o Eufemea
Advertisement

Os desafios de conciliar trabalho, estudos e afazeres domésticos na rotina feminina: “sobrecarga”

Imagem Ilustrativa

Ana Luiza, 19 anos, acorda todos os dias às 4h40 da manhã para sair de sua casa, na Barra de Santo Antônio, no Litoral Norte de Alagoas. Ela enfrenta mais de duas horas de transporte público para chegar ao seu estágio, em Maceió.

“Após o estágio, sigo para a faculdade. São mais 40 minutos de transporte público, e ao sair da faculdade, ainda pego mais dois ônibus para voltar para a Barra”, relata a estudante.

Ela retorna para casa apenas às 21h da noite, e após o longo dia, ainda precisa encontrar energia para realizar os afazeres domésticos e outras atividades relacionadas à casa.

“Eu moro com a minha mãe, mas ela é aposentada por invalidez, então quando chego preciso fazer algumas coisas que ela não consegue pelas complicações de saúde, como lavar roupa, passar pano”, afirma.

A rotina de Ana Luiza reflete a realidade de milhares de mulheres que enfrentam diariamente a sobrecarga de trabalho. Segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), a participação feminina no mercado de trabalho no Brasil passou de 34,8% em 1990 para 52,2% em 2023, evidenciando o crescimento da presença das mulheres, mesmo diante dos desafios e responsabilidades adicionais que muitas enfrentam.

Embora as mulheres tenham sido historicamente associadas ao papel de cuidadoras do lar e responsáveis pelos afazeres domésticos, o aumento da participação feminina no mercado de trabalho não foi acompanhado por uma redistribuição igualitária dessas responsabilidades. Como resultado, muitas mulheres enfrentam um acúmulo de demandas diárias, conciliando as exigências profissionais com as tarefas domésticas.

Sobrecarga psicológica

Foto: Cortesia ao Eufêmea

Como consequência, a sobrecarga prejudica a saúde física e mental dessas mulheres, que muitas vezes acabam se colocando em segundo plano diante de suas rotinas.

No caso de Ana Luiza, ela precisou abrir mão de suas consultas com a psicóloga, que frequentava desde os 16 anos, para conseguir conciliar os estudos e o estágio.

“Não tive mais tempo para fazer as sessões durante a semana, e ela não atendia aos finais de semana. Demorei para aceitar essa situação, e foi difícil abrir mão de uma profissional boa com quem eu já estava totalmente familiarizada”, conta Ana.

Além de abrir mão de seu acompanhamento psicológico, ela compartilha que, apesar da rotina exaustiva, muitas vezes precisa lidar com o sentimento de insuficiência. Esse sentimento, segundo ela, surge da pressão constante para atender às demandas de todas as áreas de sua vida, desde o trabalho até os cuidados com o lar.

“Em vários momentos sinto uma sobrecarga muito grande. Ir bem no estágio, tirar notas boas na faculdade e ajudar minha mãe ao chegar em casa. Às vezes, tenho a sensação de que não dou 100% nas demandas por causa da sobrecarga e do cansaço mental”, desabafa.

Cuidado com outras pessoas

Foto: Cortesia ao Eufêmea

Assim como Ana Luiza, Ana, 19, estudante de Jornalismo, inicia sua rotina bem cedo. Às 6h40 da manhã, ela já está no primeiro ônibus a caminho do trabalho como jovem aprendiz em uma distribuidora. Durante a tarde, ela assiste às aulas na faculdade e, quando finalmente chega em casa, realiza seu estágio em um jornal, trabalhando de home office das 19h às 23h.

Aos finais de semana, sua rotina não é menos intensa. Além de revisar o conteúdo da faculdade, ela precisa cuidar da irmã mais nova para que sua mãe, técnica de enfermagem, possa trabalhar em outro município.

De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), elaborada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica (IBGE) em 2022, mulheres gastam quase o dobro de horas a mais do que homens se dedicando aos afazeres domésticos e cuidados de pessoas. Em média, as mulheres passam 21,3 horas semanais nessas atividades, enquanto homens gastam 11,7 horas.

Transporte público dificultam

Sobre a principal dificuldade que enfrenta em sua rotina para dar conta de todas as demandas, Ana responde sem hesitar: “Sem dúvida, o transporte. Preciso pegar dois ônibus para ir e dois para voltar. Muitas vezes, ainda preciso fazer uma integração, o que me obriga a caminhar um bom trecho até chegar em casa”, relata Ana.

O alto número de tarefas e as dificuldades enfrentadas ao longo do dia refletem em seu bem-estar, fazendo com que constantemente ela reconsidere a sua rotina, apesar de gostar do seu estágio e curso.

“Eu amo o que estudo e amo o que faço no estágio, mas o cansaço é enorme. Há dias em que penso em desistir, trancar a faculdade e tentar outra coisa. E, em alguns momentos, acabo me questionando sobre minha capacidade profissional: será que sou realmente capaz? Esse tipo de dúvida é difícil de lidar”, afirma.

Consequências para a saúde

Foto: Cortesia ao Eufêmea

Eduarda Tavares, 21 anos, sabe bem como uma rotina sobrecarregada e a falta de tempo para cuidar de si pode impactar a saúde. No ano passado, ela causou um período de depressão após passar duas semanas internada devido a uma dengue hemorrágica. Na época, ela relembra que os médicos sempre diziam: “Seu quadro está sério desse jeito por falta de cuidado com a sua saúde”, relembra.

“Isso me deixou nervosa, porque há momentos em que parece não haver tempo para cuidarmos de nós mesmas. Foi então que entendi que precisava mudar e priorizar minha saúde mental e física”, diz.

Hoje em dia, apesar de precisar acordar antes das 6h da manhã para realizar sua rotina matinal com calma, ela consegue se exercitar antes do estágio. À noite, após chegar à faculdade, ela dedica um tempo para arrumar a casa e preparar a comida para o dia seguinte.

“A alimentação ainda é a parte mais difícil para mim. Tenho muita dificuldade em encontrar tempo e disposição para manter uma alimentação regrada. Acabo pulando refeições com frequência, mas é algo que estou tentando mudar — e estou conseguindo”, compartilha.

Momentos para si

Atualmente morando sozinha, Eduarda afirma que há muitos momentos em que se sente sobrecarregada e brinca que, às vezes, tem vontade de voltar para a casa dos pais. Ainda assim, destaca-se que se esforça para incluir na sua rotina momentos dedicados a si mesma, como ler um livro ou assistir a uma série.

Ela também faz um alerta para outras mulheres que têm uma rotina semelhante: “O alto número de demandas faz com que fiquemos muito focadas em não errar, em executar tudo com excelência, mas acabamos esquecendo de cuidar de nós mesmas”, afirma.

Para organização, ela sugere criar cronogramas semanais e, sempre que possível, planejar a alimentação do dia seguinte. “Acredito que cada mulher tem sua própria realidade, mas, se fosse para dar uma dica, seria: seja gentil consigo mesma. Nós não somos robôs, e está tudo bem se algo sair do planejado”, conclui.