Colabore com o Eufemea
Advertisement

O segundo assassinato de Carla Janiere: vítima de feminicídio em Alagoas

Por AMARALINE VIEIRA DE ARAÚJO – OAB/AL – 13.209

As notícias sobre mulheres assassinadas por ex-companheiros tornaram-se cada vez mais corriqueiras e frequentes nas mídias e nos noticiários; um eco sombrio que ressoa em cada canto da sociedade, inclusive ocorrendo diante de nossos próprios olhos.

Recentemente, fomos tragicamente lembradas de que a misoginia e o machismo ainda permeiam a sociedade com uma força devastadora. Ao nos depararmos com o julgamento do caso de Carla Janiere, assassinada em 14 de novembro de 2023 pelo seu ex-companheiro, que foi a júri popular em 20 de março de 2025, podemos observar que sua vida foi ceifada pelas garras da violência de gênero, em um crime movido pelo retrato cruel do machismo que persiste em nossos dias.

Um ano e meio após sua morte, Carla continua sendo assassinada através do depoimento do autor do crime, que, em um ato grotesco e repugnante, ainda busca “justificar” a misoginia em seus alicerces, deslocando a responsabilidade de suas mãos sangrentas para a vítima. No dia 20 de março, diante do depoimento do acusado, quem sentou no banco dos réus foi Carla Janiere.

Da infidelidade conjugal à bipolaridade, o acusado usou todos os argumentos que pudessem tornar a vítima culpada por sua própria morte: “Andava vestida como uma piriguete”, “Ela me traía com um ex que é traficante”, “Ela tentou me matar diversas vezes”, entre outros argumentos vazios, sem qualquer apresentação de provas do que foi dito e sem que a “acusada”, já morta, pudesse ao menos se defender. Já ele, sempre um homem bom, religioso e honesto; estudioso e bem-posicionado na sociedade, disse ter deixado seu casamento bem-sucedido (palavras dele) para ficar com a vítima.

Este é um ensinamento doloroso que nos mostra como a cultura das violências cotidianas é alimentada por uma narrativa que responsabiliza as mulheres por suas próprias mortes. Sem contar na eterna pergunta “O que ela fez para merecer isso?”, que repercute, envenenando a voz das mulheres e silenciando suas histórias.

Portanto, ao sentar-se naquela cadeira, o réu nos mostrou que, diante de um feminicídio, quem estava sendo julgada, na verdade, era a vítima. O assassinato de mais uma mulher por seu ex-companheiro revela não apenas a brutalidade de um ato premeditado, mas também a repugnante tentativa de justificar essa violência através de motivos que expõem uma mentalidade arcaica e medieval.

A misoginia e o machismo não são relíquias do passado; são práticas ainda profundamente enraizadas em nossa cultura. Seja em conversas informais entre amigos ou nas estruturas institucionais que moldam nosso cotidiano, a desvalorização das mulheres ainda é palpável. A forma como as mulheres são destratadas, objetificadas e, em muitos casos, desumanizadas é a expressão de um passado que se recusa a ser silenciado.

A tragédia não reside apenas na vida perdida, mas na vida que é vivida sob a sombra da opressão e do julgamento. Cada mulher assassinada reflete nossa falha coletiva, nossa falha como seres humanos e como sociedade.